O coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2) infectou centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, resultando em complicações de longo prazo para muitos. A síndrome multiorgânica conhecida como “Longa COVID”, emergiu como uma importante questão socioeconômica, e as complicações pulmonares de longo prazo, representam um componente importante da Longa COVID.
A tomografia computadorizada (TC) do tórax desempenha um papel fundamental no diagnóstico e monitoramento da doença por coronavírus (COVID-19). Vários estudos descreveram as manifestações de TC de sequelas de COVID-19, uma vez que os pacientes se recuperaram da infecção aguda. Estudos relataram recentemente que 35 (56%) de 62 pacientes examinados 1 ano após pneumonia grave por COVID-19, desenvolveram alterações intersticiais, que incluíam reticulação ou bronquiectasia de tração. Essas alterações se assemelhavam àquelas associadas a anormalidades pulmonares intersticiais fibróticas (AIF), que foram previamente identificadas como achados incidentais em tomografias computadorizadas de coortes de pesquisa em grande escala. Há relatos estudando a etiologia genética compartilhada e biomarcadores circulantes entre a fibrose pulmonar idiopática e a gravidade da COVID-19. Essas observações preliminares levantam questões e preocupações significativas em relação aos pulmões de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, que já se recuperaram da infecção por SARS-CoV-2.
Nesta edição pesquisadores relatam os resultados da análise interina do estudo UKILD Post-COVID (UK Intersticial Lung Disease Post-COVID), para estimar a prevalência de anormalidades pulmonares residuais, naqueles hospitalizados com COVID-19. Eles racionalizaram que os sintomas comuns e polimorfismos genéticos entre COVID-19 e fibrose pulmonar sugerem, que a infecção por SARS-CoV-2, pode levar à doença pulmonar progressiva.
O estudo PHOSP-COVID (pós-hospitalização COVID), um estudo prospectivo de coorte longitudinal de adultos, com alta de hospitais do Serviço Nacional de Saúde em todo o Reino Unido, após admissão por COVID-19 confirmado ou diagnosticado clinicamente, foi usado para análise do acompanhamento em 240 dias. O estudo incluiu participantes que tiveram alta hospitalar até o final de março de 2021, coincidindo com a primeira onda da pandemia. Os dados foram acumulados até outubro de 2021 e foram limitados a 240 dias de alta. As análises incluíram dados de acompanhamento clínico de rotina (nível 1) e de visitas de pesquisa (nível 2).
Tomografias computadorizadas foram avaliadas quanto a anormalidades pulmonares residuais (reticulação ou opacidades em vidro fosco). O grupo provisório englobava 3.700 pessoas. Destes, 255 pacientes (6,9%) tiveram uma tomografia computadorizada torácica identificável realizada. Destes, 220 eram participantes do Nível 2 (9,2% de 2.396) e 35 estavam no Nível 1 (2,7% de 1.304). De 255 tomografias computadorizadas (mediana, 113 dias de alta), 209 (82,0%) foram pontuadas com concordância do revisor em 70% das varreduras.
Anormalidades pulmonares persistentes > 10% estiveram presentes em 166 (79,4%) dos 209 participantes. A pontuação visual identificou opacidades em vidro fosco em média de 25,5 ± 15,9% do pulmão, reticulação em média de 15,1 ± 11,0%, com a soma dessas anormalidades residuais envolvendo em média 40,6 ± 20,8% do pulmão. Os fatores de risco para anormalidades foram identificados como a presença de uma radiografia de tórax anormal, porcentagem prevista de CDCO <80% e doença grave que requereu ventilação.
Nos outros 3.491 pacientes, os achados pulmonares persistentes de risco moderado a muito alto, foram classificados em 7,8%, a prevalência pós-alta foi estimada em 8,5%, que subiu para 11,7% em uma análise de sensibilidade. Os autores concluem que as anormalidades pulmonares pós-alta do COVID-19, provavelmente estavam presentes após aproximadamente 11% das hospitalizações. Assim, os autores sugerem que os profissionais de saúde monitorem indivíduos de alto risco, para complicações funcionais de longo prazo.
Até onde sabemos, este é o primeiro relatório deste estudo multicêntrico nacional com o maior número de pacientes do estudo, comparando os relatórios anteriores e reconfirmando os resultados de vários relatórios menores. A estimativa de prevalência de até 11% de anormalidades pulmonares residuais em pessoas hospitalizadas com COVID-19, é baseada em 209 tomografias computadorizadas entre 3.700 pacientes hospitalizados.
Nossos próprios dados preliminares (ainda não publicados) em um centro médico acadêmico dos EUA, demonstram anormalidades pulmonares pós-COVID-19 em aproximadamente um terço de 132 pacientes com tomografias computadorizadas, durante o período de variantes alfa e delta, com tendência a maior incidência de anormalidades pulmonares pós-COVID, em pneumonias mais graves (que envolviam uma extensão maior dos pulmões na TC inicial).
Além disso, recentemente, foi relatado que pacientes vacinados, apresentaram pneumonia por COVID-19 mais leve em tomografias computadorizadas no momento do diagnóstico, do que pacientes não vacinados, entre 303 pacientes com tomografias computadorizadas, durante o período de variantes delta e ômicron, o que sugere a possibilidade de diminuição na prevalência de anormalidades pulmonares pós-COVID-19 no futuro, com o evento da vacinação.
Pouco se sabe sobre a histopatologia das anormalidades pulmonares residuais após a infecção por SARS-CoV-2. Estudos relataram achados radiológicos e patológicos em 10 pacientes com TC de alta resolução e histologia por criobiópsia pulmonar transbrônquica, em 32–227 dias após a infecção por SARS-CoV-2, com resultados demonstrando três tipos de patologias. Um tipo (“fibrosidade crônica”) demonstrou progressão de pneumonia intersticial. O segundo tipo (“lesão aguda/subaguda”) demonstrou diferentes lesões pulmonares, incluindo pneumonia em organização, pneumonia intersticial inespecífica fibrosante e dano alveolar difuso. O terceiro tipo (“alterações vasculares”) demonstrou aumento vascular, dilatação e distorção de capilares e vênulas.
Este trabalho sugere, que a pandemia de COVID-19 pode levar a uma carga mundial substancial de pacientes com achados de tomografia computadorizada de alteração intersticial fibrótica ou pneumonia intersticial inespecífica. O imenso número e a intensidade da investigação da infecção por SARS-CoV-2 são amplamente sem precedentes.
É interessante especular que outras infecções virais menos estudadas, podem levar a anormalidades pulmonares semelhantes na TC. É até possível que uma proporção substancial de casos “idiopáticos” com esses achados de tomografia computadorizada, possa ser devido a pneumonia viral anterior não reconhecida (COVID-19 ou outro vírus). Investigações futuras sobre os efeitos pulmonares a longo prazo do COVID-19 e outras infecções pulmonares virais serão importantes para obter uma melhor compreensão do papel desses organismos na doença pulmonar fibrótica crônica ou outras.
A pandemia de SARS-CoV-2 forneceu respostas, mas também levantou novas questões sobre genética, biologia molecular, redes inflamatórias, fisiopatologia e possível etiologia da doença pulmonar fibrótica. Há uma necessidade de colaborações multicêntricas internacionais sistemáticas, multidisciplinares e em larga escala, além de esforços individuais e institucionais contínuos, para abordar essas questões.
Referente ao artigo publicado em American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine.
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