E se uma caminhada em um ambiente verde pudesse remodelar cérebros, recalibrar a noção de tempo e evitar problemas de saúde mental? Se as tendências das pesquisas forem verdadeiras, em breve você poderá receber a prescrição de “20 minutos de natureza por dia”.
As evidências dos benefícios para a saúde da exposição a espaços verdes, como parques, espaços abertos, jardins, academias ao ar livre e trilhas florestais, são predominantemente observacionais e experimentais. Entretanto, isso não impediu o reconhecimento global de que essa exposição seja importante.
Após a pandemia, o governo britânico destinou mais de cinco milhões de libras para esforços de recuperação, que envolveram especificamente espaços verdes. Desde então, comprometeu-se ainda mais com um amplo programa de prescrição social, que conecta os pacientes a “profissionais de ligação”, que determinam as necessidades de cuidados pessoais, e facilitam intervenções comunitárias e voluntárias. Essas intervenções podem incluir caminhadas em grupo, e voluntariado para ajudar em hortas comunitárias ou esforços de conservação. Programas verdes semelhantes, também podem ser encontrados no Japão, onde o shinrin-yoku (banho na floresta) foi recentemente adotado como estratégia nacional de saúde, além dos Estados Unidos e Canadá.
“A desconexão da natureza é uma parte importante dos problemas de saúde que temos neste planeta”, disse o Dr. William Bird, clínico geral, defensor da prescrição verde e CEO da Intelligent Health, que é voltada para a organização de comunidades saudáveis, ativas e conectadas. O Dr. William recebeu a prestigiada nomeação de Member of the Order of the British Empire (BEM) em 2010, pelos serviços prestados relacionados à atividade física e saúde.
“Nosso cérebro foi projetado para se conectar com a natureza, e não podemos perder esse instinto”, explicou ele. “Quando estamos em contato com o canto dos pássaros, a água fluindo e a vegetação, os níveis de cortisol caem, nosso nervo vago central melhora, nossa resposta de luta e fuga desaparece, e começamos a ser mais receptivos a outras pessoas.”
Mudando a percepção do tempo e a saúde
O Dr. Ricardo A. Correia, Ph.D., biólogo e pesquisador da University of Helsinki, na Finlândia, disse acreditar que o mecanismo para pelo menos alguns desses desfechos, pode ser as diferenças na forma como o tempo é percebido. Em um artigo publicado em março no periódico People and Nature, o Dr. Ricardo explorou como os “serviços” que a natureza fornece, mudam as percepções do tempo e, por sua vez, regulam o bem-estar geral.
“Cheguei à conclusão, de que havia evidências suficientes, da mudança em algumas das dimensões que usamos, para entender o tempo vivido em ambientes urbanos versus ambientes naturais”, disse ele ao Medscape. O Dr. Ricardo explicou que a percepção humana do tempo facilita a compreensão de causa e efeito, para que possamos agir de uma forma que permita sobreviver.
“A percepção do tempo nos humanos é realmente complexa e multifacetada”, disse ele. “A maneira como entendemos o tempo não está diretamente ligada a nenhum órgão sensorial, mas passa por uma série de processos cognitivos, emocionais e orgânicos, que variam de pessoa para pessoa”.
O Dr. Ricardo apontou evidências que mostram que a percepção do tempo é mais curta em ambientes urbanos, e mais longa em ambientes naturais. Isso, por sua vez, influencia a atenção e a restauração da atenção. “Quando vivemos em centros urbanos, estamos expostos a tipos semelhantes de ambientes com muita demanda, maior pressão de tempo, e menos tempo para nós mesmos e para fins recreativos”, disse ele. “A pressão cada vez maior sobre as demandas do dia a dia, e os processos que usamos para dar sentido ao tempo, especialmente a atenção, significa que pagamos um preço cognitivo.”
O biólogo defende que é possível recalibrar a percepção do tempo, mas apenas quebrando o ciclo de exposição.
“Se estamos constantemente expostos a estilos de vida acelerados, ficamos sintonizados com eles e acabamos presos num ciclo interminável.” Esse ciclo pode ser quebrado, explicou o Dr. Ricardo, aumentando a exposição aos ambientes naturais. Isso leva a emoções positivas, a uma sensação de estar no presente, e a um maior sentido de atenção plena, o que ajuda a mitigar os desfechos de saúde física e mental, normalmente associados à escassez de tempo.
Benefícios para a saúde cerebral e mental
Até o momento, há muitas pesquisas explorando os impactos da exposição à natureza no cérebro. Por exemplo, dados mostraram que os adolescentes criados exclusivamente em ambientes rurais, têm um hipocampo maior e um melhor processamento espacial, do que as crianças criadas exclusivamente em cidades. Outra pesquisa demonstrou que, passar apenas uma hora na floresta, levou a um declínio na atividade da amígdala em adultos, ao passo que essa atividade permaneceu estável após caminhar em um ambiente urbano, destacando os efeitos para a saúde nas regiões do cérebro, relacionadas com o estresse.
Há também evidências de um estudo longitudinal de 10 anos, em mais de dois milhões de adultos galeses, que destacam o valor da proximidade a espaços verdes ou azuis (por exemplo, lagos e rios), e sua relação com transtornos de saúde mental comuns, mostrando que cada acréscimo de 360 metros de distância do espaço verde ou azul mais próximo, está associado a chances 10% maiores de ansiedade e depressão.
O Dr. William disse que houve uma enorme mudança nas atitudes entre os médicos geralistas, que passaram a abraçar o conceito de natureza como medicina. Essa mudança entre os seus pares, que o provocavam na década de 1990, sobre as suas prescrições para caminhadas ecológicas e conservação, prenuncia um movimento de proporções épicas, que poderá beneficiar os pacientes. Ele disse estar especialmente esperançoso de que as prescrições verdes, se tornem comuns para certas doenças, especialmente aquelas como depressão e ansiedade, que são resistentes a medicamentos.
Mas o Dr. William adverte que os profissionais da atenção primária precisam estar atentos. “Os pacientes precisam saber que se trata de ciência real, caso contrário, pensarão que estão sendo dispensados ou desdenhados”, disse ele. “Tento apresentar evidências reais, e explicar que não há contraindicação. O principal é começar por onde os pacientes estão, o que estão sentindo e o que precisam. Algumas pessoas simplesmente não gostam da natureza”, disse ele.
Referente ao artigo publicado em Medscape Pulmonary Medicine
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