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O vírus da gripe aviária vem se espalhando em vacas dos Estados Unidos há meses, revela uma análise de material genético

Uma cepa de gripe aviária altamente patogênica vem se espalhando silenciosamente no gado dos EUA há meses, de acordo com uma análise preliminar de dados genômicos. É provável que o surto tenha começado quando o vírus passou de uma ave infectada para uma vaca, provavelmente por volta do final de dezembro de 2023 ou início de janeiro de 2024. Isto implica uma propagação prolongada e não detectada do vírus, sugerindo que mais bovinos nos Estados Unidos, e mesmo em regiões vizinhas, poderiam ter sido infectados com a gripe aviária do que o atualmente está relatado.

 

Estas conclusões baseiam-se em análises rápidas e sumárias realizadas por investigadores, na sequência do despejo de dados genômicos pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) num repositório público, no início desta semana. Mas, para consternação dos cientistas, os dados divulgados publicamente não incluem informações críticas, que possam esclarecer as origens e a evolução do surto. Os investigadores também expressam preocupação pelo fato dos dados genômicos só terem sido divulgados, quase quatro semanas após o anúncio do surto.

 

A velocidade é especialmente importante para patógenos respiratórios de rápida propagação que têm potencial para desencadear pandemias, diz Tulio de Oliveira, bioinformático da Universidade Stellenbosch, na África do Sul. Não se espera que o surto no gado permita que o vírus ganhe a capacidade de se espalhar entre as pessoas, mas os investigadores dizem que é importante estar vigilante.

 

“Numa resposta a um surto, quanto mais rápido você obtiver dados, mais cedo poderá agir”, diz Martha Nelson, epidemiologista genômica do Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia (NCBI) em Bethesda, Maryland. Nelson acrescenta que a cada semana que passa a janela para controlar o surto diminui. “Se não chegaremos tarde demais, e para mim, essa é a questão de um milhão de dólares.”

 

 

Repercussões únicas

Autoridades federais anunciaram em 25 de março, que uma cepa altamente patogênica da gripe aviária, havia sido detectada em vacas leiteiras. Desde então, o USDA confirmou infecções pela cepa, chamada H5N1, em 34 rebanhos leiteiros, em nove estados. No final de março e início de abril, o USDA publicou um punhado de sequências virais de vacas amostradas no Texas, e uma sequência de um caso em humano, no repositório GISAID, amplamente utilizado.

Em 21 de abril, o USDA publicou mais dados de sequenciamento no Sequence Read Archive (SRA), um repositório mantido pelo NCBI. O último upload incluiu cerca de 10 gigabytes de informações de sequenciamento de 239 animais, incluindo vacas, galinhas e gatos, diz Karthik Gangavarapu, biólogo computacional da Scripps Research em La Jolla, que processou os dados brutos.

A análise dos genomas sugere, que o surto no gado provavelmente começou com uma única introdução de aves selvagens, em dezembro do ano passado ou início de janeiro do ano atual. “É uma boa notícia, porque só houve um salto em humanos que podemos discernir até agora. Mas são más notícias, pois em muitos aspectos, os vírus já estão se espalhando há provavelmente vários meses”, diz Michael Worobey, biólogo evolucionista da Universidade do Arizona, em Tucson, que analisou os genomas.

“Este vírus está claramente se transmitindo de alguma forma entre vacas”, diz Louise Moncla, virologista evolucionista da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, que estudou os dados genômicos.

A Dra. Nelson, que está analisando os dados, diz que ficou muito surpresa com a extensão da diversidade genética do vírus que infecta o gado, o que indica que o vírus teve meses para evoluir. Entre as mutações estão alterações numa secção da proteína viral, que os cientistas associaram a uma possível adaptação à propagação em mamíferos, diz ela.

Os dados também mostram saltos ocasionais de vacas infectadas para pássaros e gatos. “Este é um surto com vários hospedeiros”, afirma ela.

Um único salto, há muitos meses, é “a conclusão mais confiável que se pode tirar”, com base nos dados disponíveis, diz Eric Bortz, virologista da Universidade do Alasca Anchorage. Mas uma advertência importante é que não está claro, qual a percentagem de vacas infectadas que as amostras representam, diz ele.

 

 

Preencha o espaço em branco

Essa é apenas uma das muitas lacunas de dados. Os cientistas não têm informações sobre a data precisa de coleta de cada amostra, e o estado onde ela foi coletada. Essas lacunas são “muito anormais”, diz a Dra. Nelson.

A falta de “metadados” dificulta as respostas a muitas questões em aberto, como a forma como o vírus é transmitido entre vacas e rebanhos, e torna mais difícil de se determinar exatamente quando o vírus chegou às vacas. Estas informações poderiam ajudar a controlar a propagação viral e proteger os trabalhadores das explorações pecuárias “que não podem dar-se ao luxo de não serem expostos”, diz Worobey.

Os Dr. Worobey, Dr. Gangavarapu e os seus colegas, estão agora a correr para analisar alguns metadados descobertos, através da investigação online realizada por Florence Débarre, bióloga evolucionista da agência nacional de investigação francesa CNRS, em Paris. Gangavarapu afirma que as datas e informações geográficas de 152 das 239 amostras, foram extraídas de uma apresentação do USDA publicada no YouTube em 26 de abril.

Os investigadores também querem mais análises ao gado e das aves selvagens, para obterem mais informações sobre a origem exata do surto, e para tentar decifrar outro enigma. Os dados genômicos revelam que o genoma viral sequenciado da pessoa infectada não inclui algumas das mutações características observadas no gado. “Isso é um mistério para todos”, diz a Dra. Nelson.

Uma possibilidade é que a pessoa tenha sido infectada por uma linhagem viral separada, que infectou bovinos, que não foram examinados. Outro cenário menos provável, que não pode ser descartado, diz ela, é que a pessoa tenha sido infectada diretamente por uma ave selvagem. “Isso levanta uma série de questões sobre qual caixa preta de amostras está faltando.”

Shilo Weir, especialista em relações públicas do USDA, diz que a agência decidiu publicar os dados sequenciais não analisados na SRA para torná-la pública o mais rápido possível. Weir diz que a agência “trabalhará o mais rápido possível” para publicar arquivos selecionados no GISAID com informações epidemiológicas relevantes, e continuará a disponibilizar dados brutos sobre o SRA de forma contínua.

 

 

Referente ao artigo publicado em Nature.

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