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Alimentos ultraprocessados e saúde digestiva: temos o olho maior do que a barriga?

Os alimentos processados existem há milhões de anos, desde que os primeiros hominídeos cozinhavam carne em fogueiras. Com o tempo, os humanos aprenderam técnicas de processamento para tornar os alimentos mais seguros, saborosos e duradouros.

 

Com o advento dos alimentos ultraprocessados, podemos ter chegado a um ponto no qual os atuais métodos de produção representam um risco insustentável para a nossa saúde. Os ultraprocessados são produtos mais duráveis e baratos, porém muitas vezes são deficientes em nutrientes e ricos em calorias, açúcar, gorduras, sal e uma série de aditivos. Novas evidências sugerem que o aumento do consumo desses alimentos pode aumentar o risco de várias doenças não transmissíveis e associada com um aumento na mortalidade.

 

Eis aqui uma cartilha com alguns dos dados mais recentes acerca dos alimentos ultraprocessados e seu impacto potencialmente adverso na saúde gastrointestinal.

 

Fonte de alimento cada vez mais dominante

O termo alimento ultraprocessado foi introduzido em 2009 pelo nutricionista brasileiro Carlos Monteiro. Ele e colaboradores criaram o sistema de classificação NOVA, que divide os alimentos em quatro categorias: não processados ou minimamente processados; ingredientes culinários processados; processados; e ultraprocessados.

Os alimentos processados são fabricados com alterações mínimas de seu estado natural, como acréscimo de sal, açúcar ou óleo. Os exemplos são as frutas conservadas em calda, os vegetais em conserva, entre outros.

Os ultraprocessados são produtos altamente modificados, criados por meio de processos industriais. Normalmente contêm vários aditivos, conservantes e ingredientes artificiais. Esses alimentos, elaborados para ter uma vida útil mais prolongada, incluem bebidas açucaradas, carnes muito processadas, iogurtes aromatizados, salgadinhos embalados e cereais matinais.

No entanto, o NOVA tem seus críticos. Em um debate em 2022 patrocinado pela American Society for Nutrition, alguns especialistas indicaram que o sistema era ambíguo e confuso, contendo alimentos considerados saudáveis, como os hamburgueres vegetais.

O consumo de ultraprocessados está aumentando no mundo inteiro, com a maior ingestão diária entre adultos ocorrendo nos Estados Unidos (58%) e no Reino Unido (57%). Entre os jovens, esses números podem ser ainda maiores. Um grande estudo transverso dos dados da US National Health and Nutrition Examination Survey mostrou que, de 1999 a 2018, o percentual do consumo total de energia por alimentos ultraprocessados, aumentou de 61,4% para 67% entre as pessoas de 2 a 19 anos.

Os componentes específicos dos alimentos ultraprocessados, que contribuem para várias doenças gastrointestinais, ainda precisam ser identificados. No entanto, estudos pré-clínicos mostraram que, aditivos alimentares comuns (p. ex., adoçantes, corantes, emulsificantes, micro ou nanopartículas) podem fazer mal ao intestino, alterando a permeabilidade, promovendo inflamação intestinal e modificando o microbioma.

 

 

Risco para a saúde metabólica

A relação entre os ultraprocessados e o sobrepeso ou a obesidade, tem sido observada em vários estudos. Um dos primeiros deste tipo foi um pequeno estudo cruzado feito em 2019. Nele, os participantes foram randomizados, para receber uma alimentação contendo alimentos ultraprocessados ou minimamente processados durante duas semanas consecutivas; depois alternaram para a dieta oposta. Foi constatado que, durante o período de ingestão de alimentos ultraprocessados, os pacientes consumiram aproximadamente 500 calorias a mais por dia e ganharam cerca de 1,9 kg.

O aumento do risco de ganho ponderal, pode até ser transmitido às crianças durante a gestação. Um estudo de 2022, feito com 19.958 pares de mães e filhos, descobriu que os filhos das mulheres que consumiam mais alimentos ultraprocessados, tiveram 26% mais chances de sobrepeso ou obesidade, do que aqueles cujas mães consumiam menos.

As crianças que consomem muitos alimentos ultraprocessados também apresentam alterações significativas em seu metabolismo, deixando-as potencialmente vulneráveis a uma saúde metabólica mais precária, e ao aumento do risco de sobrepeso ou obesidade, segundo um estudo feito em 2021.

Certos alimentos ultraprocessados estão associados ao diabetes mellitus tipo 2, o que pode tornar as pessoas propensas a doenças gastrointestinais relacionadas, como esteatose hepática associada à disfunção metabólica. Uma revisão recente de vários estudos prospectivos indicou essa potencial relação.

 

 

Relação eloquente com a doença inflamatória intestinal

Nos EUA, a prevalência de doença inflamatória intestinal aumentou na última década, sendo o consumo de alimentos ultraprocessados, identificado como uma de suas possíveis causas. Isso é corroborado por uma recente metanálise, descrevendo que o consumo excessivo desses alimentos, pode aumentar em 47% o risco da doença nos adultos.

O maior consumo de alimentos ultraprocessados parece aumentar mais o risco de doença de Crohn do que de colite ulcerativa. Uma metanálise de 2023, identificou um aumento de 71% do risco de doença de Crohn associado ao grande consumo de ultraprocessados, mas não identificou a mesma associação com a colite ulcerativa. Essa discrepância também é aparente em vários grandes estudos prospectivos. Diferentes estudos, com 245.112 profissionais de saúde nos EUA, 187.854 indivíduos do UK Biobank e 413.590 voluntários saudáveis de oito países europeus, encontraram uma associação significativa entre o maior consumo de alimentos ultraprocessados e doença de Crohn, mas não de colite ulcerativa. A análise dos profissionais de saúde descobriu que alimentos com as correlações mais fortes com o risco de doença de Crohn, foram os pães ultraprocessados e os alimentos para café da manhã; refeições prontas para comer e ou aquecer; e molhos, queijos, pastas e temperos líquidos.

O consumo de alimentos ultraprocessados também pode piorar os sinais e sintomas dos pacientes que já têm doença inflamatória intestinal. Um estudo publicado recentemente, analisou 135 adultos (34,8% com colite ulcerativa e 65,2% com doença de Crohn), que obtinham 45% de suas calorias a partir de alimentos ultraprocessados. Durante um ano de acompanhamento, os pesquisadores encontraram um número significativamente maior de episódios de doença ativa (14,2 versus 6,2) e inflamação ativa (1,6 vs. 0,6), entre os pacientes com colite ulcerativa no tercil superior de consumo de alimentos ultraprocessados, do que entre aqueles no tercil inferior. Diferentemente dos outros estudos, essa associação não foi observada entre os pacientes com doença de Crohn.

Em uma apresentação no Crohn’s & Colitis Congress, o médico Dr. James D. Lewis da University of Pennsylvania, nos EUA, apontou vários aditivos alimentares, tais quais os emulsificantes carboximetilcelulose, polissorbato 80 e carragenina, como potenciais causas de inflamação gastrointestinal e doença inflamatória intestinal.

Mais recentemente, a American Gastroenterological Association emitiu uma atualização da prática clínica, recomendando que os pacientes com doença inflamatória intestinal, adotem dietas com poucos alimentos ultraprocessados, baixo teor de açúcar e sal, e sigam a dieta mediterrânea, rica em frutas e vegetais frescos, gorduras monoinsaturadas, carboidratos complexos e proteínas magras, exceto se houver contraindicação.

 

 

Risco de câncer

O consumo elevado de alimentos ultraprocessados aumenta o risco de câncer em geral, bem como a mortalidade relacionada, incluindo a do câncer de ovário e de mama. O efeito inverso também parece ser verdadeiro. Um estudo do periódico Lancet Planetary Health descobriu que, substituir 10% de alimentos ultraprocessados por alimentos minimamente processados, reduziu o risco geral de câncer em 4% e o risco de carcinoma hepatocelular e carcinoma de células escamosas do esôfago em 27% e 20%, respectivamente.

Metanálises recentes apresentaram resultados heterogêneos em relação à associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de certos tipos de câncer gastrointestinal. Uma análise de 2023 encontrou uma associação entre uma alta ingestão de alimentos ultraprocessados e o aumento do risco de câncer colorretal e de pâncreas. Além disso, uma metanálise de 13 estudos listou os tipos de câncer do trato gastrointestinal, como o câncer colorretal, entre aqueles com as associações mais fortes, mas observou que são necessários mais estudos prospectivos.

Os resultados de três estudos prospectivos de coorte nos EUA indicaram que o alto consumo de alimentos ultraprocessados, aumentou o risco de câncer colorretal entre os homens. Certos subgrupos de ultraprocessados também foram associados a aumento do risco de câncer colorretal entre homens e mulheres. Para os pacientes com diagnóstico de câncer colorretal, continuar consumindo alimentos ultraprocessados pode contribuir para o aumento do risco de morte, descobriu um novo estudo. Por outro lado, uma revisão abrangente recentemente publicada de metanálises epidemiológicas concluiu, que as evidências existentes relacionando os alimentos ultraprocessados ao câncer colorretal são fracas.

 

 

Como os médicos podem ajudar os pacientes a evitarem esses alimentos viciantes

Os pacientes podem ter dificuldades ao tentar resistir ao desejo por alimentos ultraprocessados. O alto teor de carboidratos e gorduras nesses alimentos, aumenta a dopamina no cérebro de modo comparável ao da nicotina. Também se estima que a dependência de alimentos ultraprocessados ocorre em 14% dos adultos e 12% das crianças. Foi sugerido que alguns desses alimentos, como doces e sobremesas congeladas, atuam como “porta de entrada” para adolescentes, levando-os a adotar práticas alimentares não saudáveis.

 

Várias mudanças de políticas foram propostas para combater o crescente consumo de alimentos ultraprocessados, incluindo o aumento dos impostos sobre esses produtos e rótulos de advertência obrigatórios.

 

 

Referente ao artigo publicado em Pulmonary Medicine.

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