Os cientistas há muito temem, que o aumento da temperatura da Terra, possa tornar os fungos mais perigosos para os humanos. Agora, os investigadores na China podem ter encontrado provas que apoiam essa ideia.
Numa pesquisa sobre infecções fúngicas em hospitais chineses, os pesquisadores descobriram um fungo não relatado anteriormente em humanos, que adoeceu dois pacientes. O agente patogênico já era resistente aos dois medicamentos antifúngicos mais comuns, e quando foi exposto a temperaturas mais elevadas, rapidamente desenvolveu resistência contra um terceiro, tornando-o essencialmente intratável com os medicamentos atuais.
A descoberta “apoia a ideia de que o aquecimento global pode contribuir para a evolução deste patógeno fúngico ou de outros novos patógenos fúngicos”, diz Linqi Wang, microbiologista do Instituto de Microbiologia da Academia Chinesa de Ciências, e coautor de um estudo sobre os fungos, publicado na Nature Microbiology.
“Esta é uma descoberta notável e verdadeiramente inesperada, que é um mau presságio para o futuro”, diz David Denning, investigador de doenças infecciosas da Universidade de Manchester, que não esteve envolvido no estudo.
Os fungos causam menos doenças humanas do que bactérias ou vírus por duas razões: o sistema imunológico humano é muito hábil em impedi-las, e geralmente eles não crescem bem nas altas temperaturas corporais dos mamíferos. Nas últimas décadas, no entanto, as infecções fúngicas tornaram-se mais comuns, porque mais pessoas vivem com sistemas imunitários enfraquecidos como resultado da epidemia de HIV e de medicamentos que suprimem o sistema imunitário.
Várias infecções fúngicas inteiramente novas também surgiram em humanos nos últimos anos, diz Asiya Gusa, microbiologista da Duke University, e, preocupantemente, algumas delas já eram resistentes aos medicamentos, diz ela. “Isso é bastante impressionante e um pouco assustador.”
Uma questão crucial, é se as temperaturas mais elevadas causadas pelas alterações climáticas podem ajudar os fungos que vivem no ambiente, a adaptarem-se ao calor do corpo humano e a desenvolverem resistência aos medicamentos. A nova pesquisa sugere que em alguns casos sim.
Como parte de um programa de busca por fungos que causem doenças graves em humanos, os pesquisadores coletaram amostras de pacientes em 96 hospitais na China entre 2009 e 2019. Entre as milhares de cepas de fungos coletadas, nunca havia sido documentado uma que houvesse infectado humanos antes: a levedura Rhodosporidiobolus fluvial. Foi isolado do sangue de dois pacientes não conectados tratados em unidades de terapia intensiva por doenças subjacentes graves: um homem de 61 anos em Nanjing, que morreu em 2013, e uma mulher de 85 anos, em Tianjin, que morreu em 2016. O patógeno era resistente ao fluconazol e à caspofungina, os dois principais medicamentos usados para tratar infecções fúngicas potencialmente fatais em humanos.
Para provar que o fungo pode realmente infectar mamíferos, os pesquisadores o injetaram em camundongos com sistema imunológico enfraquecido. Os ratos realmente ficaram doentes, mas algo inesperado também aconteceu: alguns dos fungos rapidamente sofreram mutação para uma forma mais agressiva. Quando os investigadores verificaram porque isto poderia estar acontecendo, descobriram que as células cultivadas a 37°C acumulavam mutações, 21 vezes mais rapidamente do que as células cultivadas a 25°C.
E quando os investigadores cultivaram R. fluvialis a 37°C, e a expuseram a outro antifúngico comum, a anfotericina B, ela desenvolveu resistência ao medicamento muito mais rapidamente, descobriram. “Um novo patógeno de levedura que é resistente a antifúngicos, e capaz de se tornar cada vez mais resistente com temperaturas mais altas é notável”, diz Denning.
Como os fungos prosperam no frio, a transição para a temperatura do corpo humano, pode levar a uma resposta ao estresse, que os torna mais propensos a sofrer mutações e mudanças, diz Arturo Casadevall, microbiologista da Escola de Saúde Pública Bloomberg da Johns Hopkins. “Talvez tenhamos que começar a pensar em temperaturas mais altas, como as encontradas em mamíferos, como um agente mutagênico para fungos”, diz ele.
Isso pode ter implicações terríveis à medida que a Terra fica mais quente. “Se os fungos estão a responder às temperaturas dos mamíferos com alterações genômicas, então podemos antecipar que eventos semelhantes poderão acontecer durante dias muito quentes”, diz Casadevall. Se assim for, as alterações climáticas não só aumentariam o risco de os fungos se adaptarem a temperaturas mais quentes, tornando mais fácil para eles infectarem os seres humanos, mas também, poderiam levá-los a tornarem-se mais agressivos e menos susceptíveis aos medicamentos.
É muito cedo para saber, diz Gusa, mas ela prevê que mais investigadores tentarão cultivar fungos a temperaturas mais elevadas. É improvável que todos comecem a sofrer mais mutações, diz ela, “mas se isso acontecer o suficiente e começarmos a ver este padrão a repetir-se, é preocupante”.
Quanto à R. fluvialis, Matthew Fisher, epidemiologista de doenças fúngicas do Imperial College London, ainda não a vê como uma ameaça emergente. Espécies relacionadas foram encontradas nas profundezas do Mar Báltico, no solo da Antártida e no Mar Morto, razão pela qual os humanos raramente entram em contacto com elas, diz ele. “Meu primeiro sentimento aqui é que existem ambientes não pesquisados na China, onde essas leveduras habitam, e que esses dois pacientes tiveram o azar de serem expostos.”
Embora a biologia do fungo seja interessante, o estudo “reflete uma boa microbiologia clínica em uma parte pouco estudada do mundo, em vez de uma doença fúngica emergente do tipo “The Last of Us”, diz Fisher, referindo-se à série dramática, em que uma pandemia fúngica causa o colapso da humanidade.
“Espero estar certo!” ele adiciona.
Referente ao artigo em Science.
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