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Febre Oropouche, a ameaça misteriosa

As infecções por arbovírus atingiram fortemente a América do Sul na última década, com a epidemia do vírus Zika em 2015-2016, e surtos recorrentes de chikungunya e dengue, sendo que este último está a afetar o Brasil, com um número particularmente elevado de casos este ano. Além disso, a região enfrenta agora o ressurgimento de outro arbovírus pouco conhecido, o vírus Oropouche, numa escala sem precedentes.

 

Até 1º de agosto de 2024, havia 8.078 casos confirmados de febre Oropouche na região, relatados na Bolívia, Brasil, Colômbia e Peru. Conforme detalhado numa correspondência publicada nesta revista, casos de febre Oropouche também foram notificados pela primeira vez em Cuba, onde a transmissão deste vírus transmitido por vetores se tornou endêmica. Alguns casos também foram relatados na Itália e na Espanha, mas foram limitados a viajantes que retornavam de Cuba.

 

O vírus Oropouche é um vírus emergente, mas não novo. O vírus foi detectado pela primeira vez na aldeia de Oropouche, em Trinidad e Tobago, em 1955. Desde então, o vírus teve circulação limitada em partes da América do Sul, com casos relatados em locais próximos a áreas florestais, como a Amazônia. O vírus Oropouche tem um ciclo silvestre, porque o vírus tem reservatório em preguiças-de-garganta-pálida, primatas não humanos e pássaros, e é transmitido por mosquitos (Culicoides paraenses, no Brasil conhecido como Mosquito-pólvora ou Maruim) e mosquitos (Aedes spp). Contudo, no surto em curso, o vírus Oropouche infectou pessoas que vivem em regiões distantes de áreas florestais, indicando assim que também pode existir um ciclo urbano.

 

Embora tenham sido registrados 500.000 casos globais de febre Oropouche, desde a descoberta do vírus, o conhecimento sobre a doença é muito limitado. A maioria dos casos de febre Oropouche é leve, com sintomas semelhantes aos da dengue, incluindo dor de cabeça, dores musculares, náuseas e erupção cutânea, mas em alguns casos o vírus também pode causar meningite e encefalite.

 

Em 25 de julho, foram relatadas pela primeira vez duas mortes causadas pelo vírus Oropouche; É preocupante que o óbito tenha ocorrido em duas jovens brasileiras, que não apresentavam nenhuma comorbidade. Depois que a Organização Pan-americana da Saúde publicou um relatório, destacando preocupações sobre a possível transmissão do vírus de mãe para filho em julho, também estão em andamento investigações sobre infecções durante a gravidez, potenciais defeitos congênitos e natimortos associados ao vírus Oropouche. O Brasil registrou um óbito fetal e um aborto espontâneo no estado de Pernambuco, além de quatro casos de recém-nascidos com microcefalia, mas pelo menos outros três óbitos fetais estão sendo investigados.

 

Porque é que o vírus Oropouche surgiu subitamente em áreas onde nunca tinha sido reportado? Esta maior disseminação, tal como acontece com outras doenças transmitidas por vetores, é impulsionada por fatores como as alterações climáticas, a mobilidade e o comportamento humano e animal, a desflorestação e a utilização dos solos.

 

Outro fator, é que o genoma do vírus Oropouche, é formado por três segmentos de RNA, enquanto a maioria dos vírus transmitidos por insetos, consiste em apenas um. Mutações podem resultar da troca de segmentos. Estas alterações genéticas podem afetar a capacidade do vírus de infectar, causar doenças, espalhar-se, escapar do sistema imunológico, e desenvolver resistência aos medicamentos. Há evidências preliminares de que o rearranjo pode estar subjacente ao surto atual. Os especialistas temem que, se o atual surto de febre Oropouche se expandir ainda mais, poderá sobrecarregar o já sobrecarregado sistema de saúde da América do Sul. Além disso, após a notificação de casos importados na Europa, espera-se que a febre Oropouche possa ser notificada em viajantes de outras regiões.

 

O que pode ser feito para controlar a atual epidemia de febre Oropouche? Infelizmente, não existem vacinas ou terapias específicas disponíveis ou em desenvolvimento. As intervenções típicas de controlo de doenças transmitidas por vetores, como repelentes de insetos e redes mosquiteiras, podem não ser ideais para retardar a propagação do vírus Oropouche: os mosquitos são muito pequenos e podem passar através das redes e podem ser menos afetados pelos repelentes de insetos habitualmente utilizados. No entanto, inseticidas químicos como deltametrina e N,N-dietil-meta-toluamida, demonstraram ser eficazes no controle de espécies de Culicoides e Culex.

 

O rápido surgimento de casos de febre Oropouche na América do Sul, pelo menos tornou evidente a importância de uma maior sensibilização e de uma vigilância reforçada, para a população que vive em áreas endêmicas e para os viajantes. No Brasil, desde 2023, testes diagnósticos para infecção pelo vírus Oropouche estão disponíveis em unidades de saúde públicas em todo o país, para melhorar a detecção dessas infecções virais. Os investimentos na vigilância da genotipagem e na investigação, que possam melhorar a nossa compreensão da febre Oropouche, são essenciais para desenvolver medidas de controle e de terapias, que possam ajudar-nos a enfrentar esta ameaça emergente à saúde global.

 

 

Referente ao artigo publicado em The Lancet Infectious Diseases

 

 

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