Durante o século XX saímos da mecânica newtoniana de certezas absolutas para a probabilidade de estarmos mais ou menos certos frente a falar sobre a posição de determinado objeto. Assumir a incerteza em um processo é um ato de humildade, pois saber que não se sabe e guiar-se nessa linha tênue é a melhor forma de ser acurado. E quanto mais acurados formos em seguidas situações semelhantes, mais precisos nos tornamos.
Nesse caleidoscópio, à luz da medicina, estaríamos falando de medicina baseada em evidências (MBE). Seria, contudo, a prática da medicina baseada em evidências um exercício de humildade? Vejamos. As probabilidades de se estar certo são referenciadas por estudos feitos em diferentes locais, com análise por pares, crivo da sociedade de experts e a reprodutibilidade também verificada quando novos experimentos são conduzidos em populações e metodologias semelhantes. Quando escolho tomar uma conduta baseada nesses aspectos, não tomo como verdade a minha expectativa individual, cheia de vieses que não consigo admitir/identificar. Suplanto minhas vontades em prol do que foi publicado, sabatinado e repetido por pares científicos com fim em comum de alicerçar respostas para perguntas médicas. Seria, portanto, rejeitar minha crença em prol da verdade maior provada e mais estruturada. Saber ler e escolher a(s) melhor(es) evidência(s) que responde(m) sua pergunta é fundamental.
Outro ponto importante quando falamos de MBE é identificar se quem eu desejo tratar encaixa-se na população dos estudos. Idade, sexo ao nascer, altura, peso, comorbidades, entre outros aspectos devem ser analisados para evitar viés de seleção. É preciso observar se meu paciente faria parte da tabela 1 do estudo que responde a minha pergunta.
Na MBE a opinião do paciente é fundamental, ele deve ser esclarecido sobre todas as probabilidades acerca do tratamento que se deseja instituir, dos riscos que corre, dos benefícios desejados e se tudo condiz com seus valores e perspectivas. Configura-se, assim, a participação do paciente no processo decisório do seu tratamento.
Não menos importante é a habilidade e expertise do médico em realizar a intervenção terapêutica a ser instituída. De nada adianta a melhor evidência e a concordância do paciente se, por exemplo, um clínico irá submetê-lo de forma imperita a uma neurocirurgia eletiva.
Um tripé se forma na tomada de decisão em medicina baseada em evidências:
- A melhor evidência para o caso
- Respeito aos valores e vontades do paciente
- Expertise médica na execução da conduta médica escolhida
É notório que a MBE serve para melhorar a atuação médica, retirando o achismo das tomadas de decisão e acrescentando probabilidades que devem ser sopesadas. Cabe ao profissional assistente pensar sobre essas formas e decidir, junto ao paciente, qual ou quais trariam o maior benefício com menor risco associado.
A medicina baseada em evidências praticada de forma ética é a união de ciência, experiência e respeito ao paciente. Um ato de humildade, pois respeita a autonomia do paciente e leva em conta a aplicação de fatos científicos com base na expertise de quem o aplica. Recomendo, sem conflitos de interesse, a quem quiser apoderar-se de conceitos dessa área, perpassante a todas as especialidades médicas, o livro do excelente colega cardiologista José Alencar: Manual de Medicina Baseada em Evidências. A Carpe Diem.
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