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Chegou a hora de combater infecções fúngicas resistentes a medicamentos

A Candida auris é uma levedura assustadora. Ela foi identificada pela primeira vez em 2009, no canal auditivo inflamado de um septuagenário de Tóquio. Em uma década, pesquisadores encontraram a levedura em pessoas doentes em todo o mundo. A Candida auris costuma ser resistente a desinfetantes e antifúngicos, e pode ser difícil de ser eliminada. Entre 30% e 60% das pessoas infectadas, acabam morrendo.

 

Cerca de 3,8 milhões de pessoas morrem a cada ano de infecções causadas por C. auris e outros fungos. As mortes anuais causadas por infecções fúngicas, quase dobraram na última década.

 

Fungos patogênicos representam desafios únicos, e superá-los exigirá abordagens inovadoras, tanto para a ciência, quanto para as políticas públicas. No entanto, apesar da crescente ameaça global representada por fungos resistentes a medicamentos, tais infecções raramente ocupam espaço nas discussões sobre resistência antimicrobiana. Dois relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados este mês, as primeiras análises da organização sobre testes e tratamentos para infecções fúngicas, destacam o resultado dessa negligência. Apenas três medicamentos para combater os fungos, que representam a maior ameaça à saúde humana, estão em fase final de ensaios clínicos. Pesquisadores, formuladores de políticas públicas e a indústria, devem agir rapidamente em conjunto para reforçar o processo de tratamento, e também para proteger a potência dos medicamentos antifúngicos já em uso.

 

Infecções fúngicas graves geralmente afetam os mais vulneráveis, como pessoas com sistema imunológico comprometido ou doenças respiratórias crônicas. Testes melhores e mais baratos são necessários para diagnosticar infecções fúngicas em tempo hábil, e determinar se os fungos responsáveis, ​​são resistentes aos medicamentos. Os diagnósticos costumam ser tardios, principalmente em países de baixa e média renda, onde as infecções fúngicas são comuns. Isso pode levar a tratamentos inadequados e contribuir para a resistência a medicamentos antimicrobianos.

 

Desenvolver esses medicamentos também é difícil. As células fúngicas são mais semelhantes às células humanas do que às bactérias, sugerindo que um composto antifúngico, também pode ser tóxico para as pessoas. E as lições aprendidas com a resistência bacteriana aos antimicrobianos, nem sempre se aplicam: quando a resistência aos medicamentos surge em fungos, geralmente isso acontece por meio de mecanismos moleculares diferentes, daqueles que as bactérias usam para superar os antibióticos.

 

Tudo isso significa que é crucial investir em pesquisa básica, para entender melhor quais vias celulares podem ser alvos em fungos, sem danificar as células humanas. No mês passado, por exemplo, pesquisadores relataram um composto produzido por bactérias, que atinge as membranas celulares fúngicas por meio de um novo mecanismo, sendo relativamente atóxico para células humanas, cultivadas em cultura. Estudos de genética fúngica, por sua vez, serão cruciais para a detecção de cepas patogênicas emergentes e resistentes a medicamentos, bem como para o desenvolvimento de novos medicamentos antifúngicos.

 

Infecções fúngicas resistentes a medicamentos são bastante raras, o que as torna difíceis e caras de estudar. Além disso, pessoas que contraem infecções fúngicas graves, frequentemente apresentam outras condições de saúde, que podem dificultar a determinação da segurança de um tratamento experimental. Uma maneira de facilitar os ensaios clínicos, seria estabelecer redes de ensaios clínicos abrangendo diversas instituições. Essas redes poderiam padronizar protocolos e ferramentas de diagnóstico, além de atrair participantes de uma ampla área geográfica.

 

Talvez o maior desafio político, seja abordar uma importante fonte potencial de resistência a medicamentos: a agricultura. Alguns medicamentos antifúngicos são semelhantes aos fungicidas, que os agricultores pulverizam para proteger as plantações, portanto, o uso generalizado de fungicidas pode resultar em resistência fúngica a compostos semelhantes, usados ​​na medicina. Superar esse problema exigirá que as partes interessadas se unam, e encontrem maneiras de proteger a segurança alimentar e a saúde humana.

 

Alguns países já estão tomando medidas nessa direção. A Índia proibiu o uso de dois antibióticos para proteção de plantas, pois existem alternativas que representam menos perigo para os antimicrobianos humanos. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA propôs incluir os riscos de promover resistência a antifúngicos, em sua avaliação dos potenciais impactos de novos fungicidas à saúde.

 

E, no início deste ano, representantes de cinco agências de saúde e meio ambiente da União Europeia, publicaram um relatório sobre a ameaça que o uso de fungicidas na agricultura representa, para uma classe de medicamentos usados ​​para tratar infecções por fungos Aspergillus. Os compostos que esses medicamentos contêm, os chamados azólicos, também são usados ​​em fungicidas, medicamentos veterinários, preservativos de madeira e cosméticos. As espécies de Aspergillus estão se tornando cada vez mais resistentes a eles.

 

O grupo destacou diversas maneiras pelas quais os países poderiam agir, para preservar a utilidade dos azóis. Essas medidas incluíam o gerenciamento eficaz de resíduos agrícolas e industriais, e a adição de novos requisitos ao processo de aprovação de fungicidas azólicos. As agências também defenderam o apoio à pesquisa de novos fungicidas, que não se sobreponham aos tratamentos humanos. Tanto os relatórios da EU, quanto da OMS, destacaram uma série de questões de pesquisa em aberto, que precisam ser abordadas. Agora é crucial que a indústria, o governo e os financiadores filantrópicos trabalhem juntos, para fornecerem aos pesquisadores, os recursos necessários para preencher essas lacunas.

 

Até o momento, os cientistas ainda não determinaram o que levou o Candida auris aparecer tão rapidamente em hospitais ao redor do mundo. Estudos genéticos sugerem, que a capacidade da levedura de infectar humanos, evoluiu de forma independente diversas vezes, em diferentes regiões. Alguns pesquisadores temem que as condições que favoreceram isso, possam levar mais fungos a se tornarem perigosos. Se isso acontecer, será ainda mais importante estar preparado.

 

Referente ao artigo publicado em Nature

 

 

Créditos da imagem: Freepik

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