Para pessoas que usam uma máscara incômoda para dormir, a fim de evitar os efeitos potencialmente fatais e a longo prazo, de uma doença respiratória grave, a perspectiva de trocar a máscara, por um único comprimido tomado na hora de dormir, tem sido um sonho.
Agora, esses sonhos parecem estar próximos de se tornarem realidade, para pelo menos algumas pessoas com apneia obstrutiva do sono (AOS), que param de respirar dezenas ou centenas de vezes durante a noite, causando uma queda no nível de oxigênio no sangue, antes de acordarem inconscientemente. Os principais resultados de um grande ensaio clínico, divulgado esta semana, mostraram que a combinação de dois medicamentos em um único comprimido, estimula os músculos que mantêm as vias aéreas abertas, diminuindo drasticamente as interrupções na respiração.
“Está bastante claro que essa combinação de medicamentos está reduzindo os casos de apneia obstrutiva do sono. E está reduzindo a gravidade das quedas de oxigênio durante o sono. Isso é animador”, diz Sigrid Veasey, médica do sono e neurocientista da Universidade da Pensilvânia, que não participou do estudo. “Os efeitos são robustos e têm uma boa base científica”, afirma ela.
Estima-se que a AOS afete entre 60 e 80 milhões de pessoas nos Estados Unidos, e cerca de 1 bilhão em todo o mundo. Ela traz consigo riscos a longo prazo, incluindo acidente vascular cerebral, doença de Alzheimer e morte cardíaca súbita. E muitas pessoas não conseguem ou não aderem à terapia padrão ouro: os pesados aparelhos de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), que injetam ar nas vias aéreas superiores durante o sono, para mantê-las abertas, exigindo a máscara noturna.
Impulsionados, como muitos antes deles, a buscar uma alternativa, cientistas em Boston identificaram, há uma década, uma combinação de dois medicamentos existentes, que mantinham as vias aéreas superiores abertas, estimulando conjuntamente os músculos relevantes, particularmente o genioglosso, um músculo ativo que forma a maior parte da base da língua, e é fundamental para manter a garganta aberta.
Um dos medicamentos, a atomoxetina, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em 2002 para o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, aumenta os níveis do neurotransmissor excitatório norepinefrina, bloqueando sua recaptação pelas sinapses neuronais. Em pacientes com apneia do sono, sabe-se que o declínio da norepinefrina durante o sono, contribui para a perda do tônus dos músculos das vias aéreas superiores, particularmente o genioglosso. O outro composto, chamado aroxibutinina, é uma forma quimicamente modificada de um medicamento usado para tratar a bexiga hiperativa. Ele bloqueia certos receptores de acetilcolina, impedindo que esse neurotransmissor iniba o nervo que enerva o genioglosso, tonificando efetivamente o músculo durante o sono.
Uma empresa chamada Apnimed foi lançada em 2017, para comercializar a descoberta. Após resultados promissores em um estudo inicial, a empresa lançou um estudo maior em 2023, no qual 646 pessoas com AOS foram randomizadas para tomar o medicamento, chamado AD109, ou um comprimido de placebo todas as noites ao deitar-se, durante 6 meses. Em comparação com o grupo placebo, os participantes tratados apresentaram 56% menos episódios durante o sono, em que a respiração ficou superficial ou parou, informou a Apnimed em um comunicado à imprensa de 19 de maio.
Além disso, 22% dos pacientes tratados alcançaram o controle completo da doença, definido como menos de cinco eventos de obstrução das vias aéreas por hora. A empresa também relatou que o AD109 causou uma redução “significativa” na profundidade e na duração dos períodos de baixo nível de oxigênio no sangue dos pacientes, uma métrica importante associada a desfechos cardiovasculares ruins.
Esses resultados são “simplesmente emocionantes”, diz Klar Yaggi, diretor do Programa de Medicina do Sono da Universidade de Yale.
Em dezembro de 2024, a FDA aprovou o primeiro medicamento para apneia do sono: o tratamento injetável tirzepatida (Zepbound), anteriormente aprovado para tratar a obesidade, que tem como alvo o receptor do peptídeo semelhante ao glucagon-1 e outro receptor relacionado ao metabolismo. Mas o uso do Zepbound no tratamento da AOS se limita a pessoas com obesidade, observa Yaggi, e leva tempo para atingir a perda de peso necessária para melhorar a doença nessa população. Em contraste, o AD109 beneficiou pessoas com e sem obesidade, em todos os graus de apneia do sono, e seus efeitos foram imediatos. O amplo espectro de benefícios é “muito empolgante”, afirma.
No entanto, alguns médicos têm dúvidas sobre o medicamento, que o comunicado de imprensa da Apnimed não abordou. Por um lado, não está claro se o medicamento afeta os sintomas reais dos pacientes, como a sonolência diurna, afirma Najib Ayas, médico do sono da Universidade Colúmbia Britânica, que foi o principal pesquisador em um dos locais do estudo atual. “O objetivo é que os pacientes se sintam melhor com a terapia, não apenas que haja uma redução nos eventos de obstrução das vias aéreas”, afirma.
Ayas acrescenta, que um estudo de 6 meses não pode revelar os efeitos do medicamento sobre os riscos a longo prazo da AOS, como eventos cardiovasculares graves. “Com o tempo, talvez 10 anos, ainda é uma questão em aberto.”
Veasey afirma que estará atenta a possíveis efeitos colaterais da atomoxetina, um estimulante, como sinais de que o sono não é tão restaurador durante o tratamento com AD109, ou um aumento nos níveis sanguíneos de proteína C reativa, que está associada à inflamação, e é usada como marcador de risco cardiovascular em pacientes com AOS. “A atomoxetina também aumenta um pouco a frequência cardíaca e a pressão arterial diastólica”, acrescenta, “e pequenos efeitos colaterais são realmente importantes.”
Ainda assim, Veasey e Yaggi acreditam que o AD109 possa inaugurar uma era, em que alguns pacientes poderão abandonar completamente seus CPAPs, e outros poderão combinar abordagens de tratamento. “Em vez de uma abordagem de ‘CPAP para todos'”, diz Yaggi, “estamos realmente entrando na medicina do sono de precisão. Este medicamento é um grande passo nessa direção.”
A Apnimed planeja apresentar os resultados completos do estudo em uma conferência neste outono. Um segundo grande estudo de 12 meses com o medicamento deve ser concluído neste verão. A empresa pretende solicitar a aprovação do FDA até o início de 2026.
Referente ao artigo publicado em Science
Créditos da imagem: Freepik
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