Há uma frase que ecoa na alma com uma tristeza cortante, uma verdade nua e crua que nos confronta com a fragilidade da nossa morada terrena: “Doença é o aluguel que a gente paga para alugar o corpo”. Nessa singela comparação, reside uma profundidade avassaladora, um reconhecimento tácito da nossa vulnerabilidade, da impermanência que tece cada instante da nossa jornada.
Pensemos por um momento. Nascemos, e de repente, habitamos essa estrutura complexa, essa maravilha biológica que nos permite sentir, amar, experimentar o mundo em toda a sua beleza e brutalidade. Recebemos esse corpo como um presente, um veículo para a nossa alma, e navegamos pela vida, muitas vezes esquecendo o delicado equilíbrio que sustenta essa moradia.
Mas o tempo implacável segue seu curso, e as engrenagens dessa máquina perfeita começam a falhar. Pequenos ruídos, dores lancinantes, a sombra de um diagnóstico que paira como uma nuvem escura. É nesse instante, na fragilidade exposta, que a metáfora do aluguel ganha uma força dolorosa.
A doença se apresenta como a fatura inesperada, o preço que não prevíamos pagar por essa estadia temporária. Cada sintoma é um lembrete constante da nossa finitude, da fragilidade desse contrato silencioso que firmamos ao nascer. A energia que se esvai, os sonhos adiados, a rotina interrompida – tudo isso se soma ao custo, muitas vezes exorbitante, desse “aluguel” inesperado.
Há uma melancolia profunda em reconhecer que esse corpo, que nos permite abraçar os entes queridos, sentir o calor do sol na pele, saborear a doçura da vida, também está sujeito à deterioração, à falha. A doença nos despoja da ilusão de invencibilidade, nos confronta com a nossa humanidade mais crua e vulnerável.
E no entanto, em meio à dor e à fragilidade, emerge também uma beleza singular. É na doença que muitas vezes redescobrimos o valor de cada instante, a preciosidade de um sorriso, a força dos laços que nos unem. Aprendemos a arte da resiliência, a encontrar luz mesmo na mais densa escuridão. Cada dia vivido com a doença se torna uma conquista, uma batalha silenciosa travada com coragem e esperança.
Que possamos olhar para a doença não apenas como um fardo, um aluguel amargo, mas também como um lembrete visceral da nossa humanidade compartilhada. Que ela nos ensine a valorizar a saúde, a nutrir o corpo e a alma, e a estender a mão com empatia àqueles que, neste momento, sentem o peso desse aluguel de forma mais intensa. Porque, no final das contas, somos todos inquilinos temporários dessa existência, e a compaixão é o elo mais forte que nos une em face da nossa inevitável fragilidade.
Rossana Köpf – psicanalista
Créditos da imagem – Freepik
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