Em novembro se alerta sobre o câncer de próstata e, por extensão, a saúde do homem. Entre as causas preveníveis de adoecimento do homem, várias estão ligadas a um fator: o hábito de fumar. O tabagismo é mais velho que o datado Brasil. E persiste até os atuais dias, reinventando-se quanto à forma e ao conteúdo. Relatos remontam ao hábito de fumar ligado a índios, hábito que foi levado à Europa, disseminado e incorporado a culturas. Ligado à potência e liberdade, teve sua expansão comercial na primeira metade do século XX, sendo de fácil acesso aos jovens, tornando-se um ritual de passagem para a idade adulta e forma de pertencimento a determinados grupos. Além de tudo, foi incorporado à arte, como nos filmes de Hollywood, ou até mesmo na literatura, como destacou Mário Quintana: “fumar é uma forma disfarçada de suspirar”.
Embora os malefícios do cigarro e similares tenham sido bem descritos apenas na segunda metade do século XX, já em 1705, o médico alemão Samuel Thomas von Sömmerring escreveu nas publicações da época que havia percebido uma relação de causalidade entre fumar cachimbo e a presença de câncer nos lábios. Os lábios, contudo, eram apenas a porta de entrada dos males relativos ao fumo. A fumaça ataca onde passa, da boca aos pulmões, e ainda agride à distância, como intestino e bexiga. O uso do tabaco está diretamente ligado a 25% de todas as mortes por câncer no mundo.
A ligação do hábito de fumar à virilidade, na época de ouro do marketing da indústria do fumo, fez ser o cigarro muito mais apreciado pelos homens. De acordo com o Relatório Global da OMS sobre Tendências na Prevalência do Uso de Tabaco 2000-2025, quarta edição, em 2020, 22,3% da população mundial adulta (15 anos ou mais) usava tabaco, sendo a estimativa maior entre os homens (36,7%) em relação às mulheres (7,8%), além de que homens tem carga tabágica (quantidade de tabaco consumido por dia ao longo dos anos) maior que mulheres.
Tudo isso nos mostra que o tabagismo é um sério problema a ser enfrentado nas políticas de saúde voltadas ao público masculino e deve ser tratado de forma coletiva e individual. Cada atendimento por profissional de saúde é uma oportunidade de abordar o tema, conscientizar sobre os riscos associados, educar e, caso detecte um tabagista, oferecer tratamento e suporte para que esse mau hábito cesse. Não existe cigarro melhor ou pior, seja cachimbo, charuto, vape, cigarro artesanal, etc. Todos geram danos que podem inclusive atravessar gerações, uma vez que mutações danosas por eles provocadas podem ser carreadas no DNA de espermatozoides para filhos e filhas.
Uma vez que é um problema de saúde pública e todos devem saber abordar sobre a cessação do tabagismo, como realizar esse atendimento? Algo que pode ser feito em qualquer atendimento médico é a “Abordagem Breve/Mínima”. A abordagem consiste em perguntar, avaliar, aconselhar e preparar o fumante para que deixe de fumar, sem, no entanto, acompanhá-lo nesse processo. Pode ser feito, portanto, até em consultas de pronto atendimento, pronto-socorro, acolhimento, triagem, etc.
Estruturar a conversa é fundamental, por isso a primeira pergunta é: Você fuma? Há quanto tempo? Serve para diferenciar a experimentação do uso regular. Em seguida, vem a próxima: quantos cigarros fuma por dia? Aqui saberemos a carga tabágica, importante porque mais de 20 cigarros por dia gerarão fortes sintomas de abstinência ao parar. A abstinência também é detectada por outra pergunta: Quanto tempo depois que acorda você acende o primeiro cigarro? Pessoas que fumam dentro de trinta minutos após acordar tendem a desenvolver fortes sintomas de abstinência.
Uma vez entendendo brevemente sobre como é a relação do fumante com o cigarro, vamos a uma pergunta de grande valor: o que você acha de marcar uma data para parar de fumar? Se a resposta for afirmativa, questionar quando poderia ser. Em seguida, perguntar se já tentou parar e se sim, o que aconteceu. É fundamental entender as falhas no processo para orientar como corrigir. Orientar como dificultar o hábito de fumar descartando cinzeiros, reduzindo o consumo de café se ele tiver relacionado ao fumo e outros hábitos que alimentem o vício.
Sugerir a marcação da data para parar de fumar, que chamamos de dia D, e explicar os sintomas de abstinência são pontuações para o fim da conversa. Os fumantes que não estiverem dispostos a parar de fumar nos próximos 30 dias, devem ser encorajados a pensar no tema.
Vários benefícios podem ser sentidos desde logo que se cessa o tabagismo até o longo prazo. Com vinte minutos após parar, pressão e frequência cardíaca já normalizam; duas horas depois já não há mais nicotina no sangue; com oito horas os níveis de oxigênio no sangue normalizam; com um dia, a função pulmonar melhora; após dois dias, olfato e paladar ficam mais acurados; com três semanas, a respiração melhora; com um ano, o risco de infarto cai pela metade.
São notórios os inúmeros benefícios de parar de fumar. Abordar corretamente os fumantes para tratar essa doença crônica chamada tabagismo é essencial no cuidado da saúde de todos. Para o bem de quem fuma e de quem convive com eles, estimular a cessação é papel de todos os profissionais de saúde. Mãos à obra!
Dr. José Ernando de Sousa Filho
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