Dez meses depois da chocante descoberta de que um vírus, geralmente transportado por aves selvagens, pode facilmente infectar as vacas, pelo menos 68 pessoas na América do Norte adoeceram do patógeno, e uma pessoa morreu.
Embora muitas das infecções tenham sido leves, dados emergentes indicam, que as variantes do vírus da gripe aviária H5N1, que estão se espalhando na América do Norte, podem causar doenças graves e morte, especialmente quando passadas diretamente para os seres humanos, a partir de aves. O vírus também está se adaptando a novos hospedeiros, vacas e outros mamíferos, aumentando o risco de provocar uma pandemia humana.
“O risco aumentou à medida que continuamos, especialmente nos últimos dois meses, com o relato de algumas infecções graves”, diz Seema Lakdawala, virologista da gripe da Escola de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta, Geórgia.
Na semana passada, o presidente dos EUA, Donald Trump, assumiu o cargo e anunciou que retirará os Estados Unidos, onde o H5N1 está circulando em vacas leiteiras, da Organização Mundial da Saúde, a agência que coordena a resposta global a emergências de saúde. Isso soou os sinos de alarme entre os pesquisadores preocupados com a gripe aviária.
Aqui, a Nature conversou com especialistas em doenças infecciosas sobre o que eles estão aprendendo e sobre como os seres humanos ficam doentes com o vírus, e as chances de uma pandemia de gripe aviária.
Quão doente uma pessoa fica, depende de como eles foram infectados, se por uma vaca ou por uma ave?
Existem duas variantes principais do H5N1 que os pesquisadores estão monitorando: uma, chamada B3.13, que está se espalhando principalmente em vacas; a outra, chamada D1.1, é encontrada principalmente em aves selvagens e domesticadas, incluindo frangos criados para avicultura.
O B3.13 se espalhou rapidamente em bovinos nos Estados Unidos, infectando mais de 900 rebanhos em 16 estados, e também infectou outros animais, como gatos, gambás e aves. As vacas infectadas e seu leite, contêm altos níveis do vírus, facilitando a transmissão do patógeno entre animais e trabalhadores em fazendas leiteiras, onde o equipamento de ordenha pode pulverizar líquido no ar, e o leite pode revestir superfícies.
Pelo menos 40 pessoas foram infectadas por vacas doentes na América do Norte, mas nestes casos, o vírus causou apenas doenças respiratórias leves, e uma condição ocular inflamatória conhecida como conjuntivite. Pelo menos 24 pessoas ficaram doentes após a exposição a aves doentes, e duas dessas infecções, causadas por D1.1, foram graves, uma pessoa ficou no hospital por meses e a outra morreu.
Esses números são muito pequenos para permitir que os pesquisadores determinem, se uma variante do vírus é mais perigosa do que a outra, diz Lakdawala. Fatores como condições de saúde subjacentes nas pessoas infectadas, e a via de exposição ao vírus, podem afetar os resultados, diz ela.
A gravidade de uma infecção pode depender se uma pessoa ingere o leite contaminado ou inocula o vírus pela respiração?
Os trabalhadores de laticínios são vulneráveis à infecção porque, durante o processo de ordenha, eles podem inalar partículas de leite no ar, e as gotículas de leite podem espirrar em seus olhos. Alguns dados sugerem que, se o vírus entrar diretamente nos pulmões, pode causar uma infecção grave. Em um estudo publicado na Nature em 1 de janeiro, um grupo de pesquisa, incluindo Heinz Feldmann, chefe do laboratório de virologia do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, infectou macacos cynomolgus (Macaca fascicularis) com vírus B3.13.
A equipe descobriu que, os animais que tinham o vírus inoculado diretamente em seus pulmões, ficaram gravemente doentes, enquanto os animais que foram infectados através do nariz ou do esôfago, não tiveram doença grave. Todos os animais infectados com o vírus descarregaram partículas de vírus infecciosas, o que significa dizer, que eles poderiam infectar outros animais.
A suavidade da doença experimentada por animais infectados através do esôfago, não deve ser tomada como significando que beber leite cru é seguro, adverte Feldmann. Estes são experimentos de laboratório, e não refletem necessariamente a realidade, diz ele, e o leite ainda precisa ser pasteurizado, ou seja, aquecido para matar patógenos, antes de ser consumido. Diferentes espécies também reagem de forma diferente ao vírus: por exemplo, mais de dez gatos morreram de gripe aviária, depois de consumirem leite cru ou carne contaminada com H5N1.
“O leite cru é um fator de risco real, não apenas para a gripe, mas para uma série de outros patógenos”, diz Feldmann.
As pandemias podem começar, se um vírus que infecta um animal, evoluir com a capacidade de se espalhar entre os seres humanos. Mas isso está para acontecer?
O vírus da gripe aviária está se tornando mais hábil em se espalhar entre vacas, de acordo com uma análise de genomas virais, publicados em 6 de janeiro, no servidor de pré-impressão bioRxiv, que não foi revisado por pares.
O co-autor Daniel Goldhill, um virologista evolucionista do Royal Veterinary College, perto de Hatfield, Reino Unido, e seus colegas, relataram que os vírus B3.13, ganharam mutações genéticas nos meses seguintes, depois que foram detectados pela primeira vez em gado. Essas mutações aparecem nos genes que codificam uma proteína viral chave, uma que a ajuda a se replicar nas células que revestem as vias aéreas de vacas e humanos.
“Se o vírus se adaptou às vacas, também está mais bem adaptado para entrar em células humanas”, diz Goldhill. “Este é um primeiro passo para o vírus, e aumentou o nível de risco de um vírus transbordar para os seres humanos.”
Ele acrescenta que há outras mutações com potencial de trampolim, que aumentariam ainda mais o nível de risco de um surto de H5N1 em pessoas, mas que os pesquisadores ainda não as detectaram. Por exemplo, o vírus atualmente prefere se ligar a um tipo de receptor em células de pássaros e algumas células de vaca, que não é amplamente encontrado em células humanas. Mas uma única mutação no RNA do vírus pode mudar essa preferência, tornando mais fácil para o vírus se ligar a um receptor, que é abundante em pessoas, de acordo com um estudo publicado na Science em 5 de dezembro.
Em comparação com dez meses atrás, o vírus agora tem “uma tonelada mais oportunidades” para se adaptar aos seus novos hospedeiros de mamíferos, porque já infectou inúmeras vacas e outros animais nos Estados Unidos, diz Goldhill.
Referente ao artigo publicado em Nature
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