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Aborto Legal, o que diz a lei?

No Brasil, o Código Penal Brasileiro proíbe a prática do aborto, seja esse provocado pela gestante ou com seu consentimento (Art.124), seja esse provocado por terceiro com ou sem consentimento da gestante (Arts. 125 e 126), bem como prever a qualificadora se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, ou, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte (Art.127).

Nada obstante a prática ilegal do aborto, o próprio Código Penal, em seu artigo 128, admite exceções em que não se pune o aborto praticado pelo médico, são nos casos de se tratar de um aborto necessário, isto é, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, no caso de se tratar de um aborto decorrente de uma gravidez fruto de um estupro, tendo ainda o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecido, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de º 54,  que não deve ser considerado como aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto anencéfalo.

Com efeito, as dúvidas que surgem entre os profissionais de saúde é como proceder quando se estar diante de uma das hipóteses em que é permitido o aborto legal e quando poderá opor sua objeção de consciência, a fim de se resguardar juridicamente, quando da realização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.

Neste sentido, o Ministério da Saúde disciplina, na sua Portaria de nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, o qual é condição necessária para adoção de qualquer medida de interrupção da gravidez no âmbito do SUS, excetuados os casos que envolvem riscos de morte à mulher.

Em outras palavras, a portaria dispõe sobre as medidas assecuratórias da licitude do procedimento de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei quando realizado no âmbito do SUS.

Segundo a mencionada Portaria do Ministério da Saúde, o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei se compõe de quatro fases e deverão ser registradas no formato de termos, arquivados em anexos ao prontuário médico da paciente, garantida a confidencialidade desses termos.

A primeira fase é o relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço. Tal relato é realizado em formato de “Termo de Relato Circunstanciado”, descrevendo o local, dia e hora aproximada do fato, o tipo e forma de violência, características dos agentes da conduta, e, se possível, a identificação de testemunhas, se houver, ao final, deve ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por dois profissionais de saúde do serviço.

A segunda fase é o parecer técnico realizado por um médico, após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver. Simultaneamente, a mulher deve receber atenção e avaliação especializada por parte da equipe de saúde multiprofissional, composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo, os quais anotarão suas avaliações em documentos específicos e subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico.

Já a terceira fase é o Termo de Responsabilidade assinado pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal, tal Termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso posteriormente se verifique que a gestante não tenha sido vítima de violência sexual.

Por último, a quarta fase é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual esclarece à mulher, em linguagem acessível, especialmente sobre os riscos possíveis à sua saúde, os procedimentos que serão adotados quando da realização da intervenção médica, os profissionais responsáveis para lhe acompanhar e prestar assistência e a garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos, passíveis de compartilhamento em caso de requisição judicial.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela gestante ou, se for incapaz, também por seu representante legal, e deverá conter também uma declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez.

Importante ressaltar que uma inovação trazida pela Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, a qual se encontra em consonância com a Lei de nº 13.931, de 10 de dezembro de 2019, foi tornar obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente nos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro.

A portaria dispõe ainda que os profissionais mencionados no caput deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime, nos termos da Lei Federal nº 12.654, de 2012.

Nada obstante o exposto, uma das dúvidas que surgem sobre o aborto legal é saber até quanto tempo da gestação o procedimento pode ser realizado, deste modo, nos casos de risco à vida da mulher e nos casos de anencefalia fetal, não há idade gestacional máxima para a realização do aborto, no entanto, quanto mais cedo for realizado o aborto, menores serão os riscos para a mulher. Já nos casos de violência sexual, o entendimento é de que o aborto seja permitido até a 20ª semana de gestação, podendo ser estendido até 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas.

Outro ponto que costuma gerar dúvida aos profissionais de saúde é sobre o consentimento quando há divergências entre a adolescente gestante (menor de 18 anos) e o seu representante legal. Ora, a vontade da adolescente deve ser respeitada caso sua família opte pela realização do aborto e ela não. Por outro lado, caso a adolescente escolha pela interrupção da gravidez e a família não, tal situação deverá ser submetida ao judiciário por meio do Conselho Tutelar, Defensoria Pública ou Ministério Público.

Destaca-se que, apesar de na situação acima, o caso da escolha da adolescente pela interrupção da gravidez e sua família não, deva ser submetida a apreciação do Judiciário. O certo é que se trata de uma situação excepcional, fato que a realização do procedimento de aborto nos casos permitidos por lei não depende de autorização judicial.

Importante mencionar ainda que, é garantido ao médico alegar a objeção de consciência, que consiste no direito de recusa em realizar o aborto, baseado no direito à liberdade de pensamento, de crença e de consciência, e caso o profissional exerça sua objeção, a mulher deverá ser atendida por outro profissional ou serviço que garanta a efetivação do aborto.

Contudo, convém reforçar que há três casos em que esta objeção não é admitida, quais sejam: Em caso de necessidade de abortamento por risco de vida para a mulher, em qualquer situação de abortamento juridicamente permitido, quando na ausência de outro médico que o faça e quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do médico, em casos de complicações derivadas de abortamento inseguro, por se tratar de atendimento de urgência.

Portanto, é indubitável a relevância de discutir sobre o tema proposto, haja vista que muitas são as dúvidas que surgem entre os profissionais de saúde de como agir diante de uma das hipóteses em que é permitido o aborto legal, a fim de se resguardar juridicamente, quando da realização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.

 

 

Sobre a autora:    

Caroline de Paula Cavalcante Parahyba é advogada associada do escritório Madeiro & Gifoni, membro da comissão de saúde da OAB/CE e mestranda pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. OAB/CE 40.297.

 

 

 

 

 

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