Junho de 2021. O mundo está em pandemia há um ano e meio. O vírus continua a se espalhar como uma queimada lenta; bloqueios intermitentes localizados são o novo normal. Uma vacina aprovada oferece seis meses de proteção, mas acordos internacionais retardaram a sua distribuição. Estima-se que 250 milhões de pessoas foram infectadas em todo o mundo e 1,75 milhão estão mortas.
Cenários como este preveem como a pandemia da COVID-19 poderá ocorrer. Em todo o mundo, os epidemiologistas estão construindo projeções de curto e longo prazos, como uma maneira de se preparar e potencialmente reduzir a propagação e o impacto do SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19.
Embora suas previsões e cronogramas variem, os pesquisadores concordam em duas coisas: 1) a COVID-19 chegou para ficar e 2) o futuro depende de muitas incógnitas, incluindo se as pessoas desenvolverão imunidade duradoura ao vírus, se a sazonalidade afetará a sua propagação e – talvez o mais importante – quais escolhas serão feitas por governos e indivíduos.
Muitos lugares estão bloqueados e muitos não estão. Ainda não sabemos o que vai acontecer. O futuro dependerá muito da retomada da mistura social e do tipo de prevenção que fazemos. Modelos recentes e evidências de bloqueios bem-sucedidos, sugerem que mudanças comportamentais podem reduzir a disseminação da COVID-19, se a maioria das pessoas cumprirem, o que não implica necessariamente serem todas.
Na semana passada, o número de infecções confirmadas por COVID-19 ultrapassou 15 milhões em todo o mundo, com cerca de 650.000 mortes. Os bloqueios estão diminuindo em muitos países, levando algumas pessoas a supor que a pandemia está terminando. Mas não é esse o caso. Estamos em um longo curso.
Se a imunidade ao vírus durar menos de um ano, por exemplo, semelhante a outros coronavírus humanos em circulação, poderá haver aumentos anuais nas infecções por COVID-19 até 2025 e até além. Aqui, a Nature explora o que a ciência diz sobre os meses e anos vindouros.
O que acontecerá no futuro próximo?
A pandemia não está ocorrendo da mesma maneira de um lugar para outro. Países como China, Nova Zelândia e Ruanda atingiram um nível baixo de casos – após bloqueios de comprimentos variados – e estão diminuindo as restrições, enquanto observam os casos e administram as crises. Em outros lugares, como nos Estados Unidos e no Brasil, os casos estão aumentando rapidamente, depois que os governos levantaram os bloqueios precipitadamente ou nunca os ativaram efetivamente em todo o país.
Esse último grupo de países deixa os pesquisadores muito preocupados. Na África do Sul, que agora ocupa o quinto lugar no mundo no total de casos COVID-19, um grupo de pesquisadores estima que o país pode esperar um pico entre agosto e setembro, com cerca de um milhão de casos ativos e cumulativamente outros 13 milhões de casos sintomáticos até o início de novembro. Em termos de recursos hospitalares, já está rompendo a sua capacidade de atendimento em algumas áreas, não sendo o cenário nada promissor.
Mas há notícias esperançosas à medida que os bloqueios diminuem. Evidências iniciais sugerem que mudanças comportamentais pessoais, como lavar as mãos e usar máscaras, persistem além do estrito bloqueio, ajudando a conter a maré de infecções. Em um relatório de junho, uma equipe do Centro de Análise Global de Doenças Infecciosas do Imperial College de Londres descobriu que entre os 53 países que começaram a se abrir, não houve um aumento tão grande de infecções quanto o previsto com base nos dados anteriores.
A equipe concluiu que, se 50 a 65% das pessoas forem cautelosas em público, a adoção de medidas de distanciamento social a cada 80 dias, poderá ajudar a evitar novos picos de infecção nos próximos dois anos. Vamos precisar mudar a cultura de como vamos interagir com outras pessoas. No geral, é uma boa notícia que, mesmo sem testes ou vacina, os comportamentos podem fazer uma diferença significativa na transmissão da doença, acrescenta o pesquisador.
Nas regiões onde a COVID-19 parece estar em declínio, os pesquisadores dizem que a melhor abordagem é a vigilância cuidadosa, testando e isolando novos casos e rastreando seus contatos. Esta é a situação em Hong Kong, por exemplo. Está-se experimentando, fazendo novas observações e se ajustando lentamente. Se espera então que a estratégia impeça um novo ressurgimento de infecções fora de controle – a menos que o aumento do tráfego aéreo traga um número substancial de casos importados.
Mas exatamente quanto rastreamento e isolamento de contato é necessário para conter um surto de maneira eficaz?
Uma análise do Grupo de Trabalho COVID-19 do Centro de Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas de Londres simulou novos surtos de contagiosidade variável, a partir de 5, 20 ou 40 casos apresentados. A equipe concluiu que o rastreamento de contatos deve ser rápido e extenso – rastreando 80% dos contatos em alguns dias – para controlar um surto. Agora, o grupo está avaliando a eficácia do rastreamento de contatos digitais e quanto tempo é possível manter os indivíduos expostos em quarentena, diz o pesquisador. Encontrar um equilíbrio é muito importante, entre a estratégia em que as pessoas irão tolerar, e a estratégia que irá conter um novo surto do vírus.
O rastreamento de 80% dos contatos pode ser quase impossível de alcançar em regiões que ainda enfrentam milhares de novas infecções por semana – e pior, mesmo as contagens mais altas de casos provavelmente subestimam. Dados de estudos de testes da COVID-19 de 84 países, sugere que as infecções globais eram 12 vezes maiores e as mortes 50% maiores do que as relatadas oficialmente. Existem muitos mais casos por aí do que os dados indicam. Como consequência, existe um risco muito maior de infecção do que as pessoas possam acreditar que exista, diz o autor. Por enquanto, os esforços de redução de transmissão, como o distanciamento social, precisam continuar pelo maior tempo possível para evitar um segundo grande surto. Isto é, até os meses de inverno, quando as coisas ficam novamente um pouco mais perigosas, diz ele.
O que acontecerá quando esfriar?
Agora está claro que o verão não interrompe o vírus de maneira uniforme, mas o clima quente pode facilitar a contenção em regiões temperadas. Em áreas que ficarão mais frias no segundo semestre de 2020, os especialistas acham que provavelmente haverá um aumento na transmissão. Muitos vírus respiratórios humanos – influenza, outros coronavírus humanos e vírus sincicial respiratório (RSV) – já seguem oscilações sazonais que levam a surtos de inverno, por isso é provável que o SARS-CoV-2 siga o mesmo exemplo.
As evidências sugerem também que o ar seco do inverno melhora a estabilidade e a transmissão dos vírus respiratórios, e a defesa imunológica do trato respiratório pode ser prejudicada pela inalação do ar seco. Além disso, em climas mais frios, as pessoas têm mais probabilidade de ficar em casa, onde a transmissão do vírus por meio de gotículas é de maior risco, e por isso, a variação sazonal pode afetar a propagação do vírus e pode tornar mais difícil a contenção da Covid-19 no hemisfério norte neste inverno.
No futuro, surtos de SARS-CoV-2 podem chegar em ondas a cada inverno. Para adultos que já tiveram a COVID-19, o risco pode ser reduzido, assim como já acontece com a gripe, mas isso dependerá da rapidez com que a imunidade a esse coronavírus vier a desaparecer. Além disso, a combinação de COVID-19, gripe e RSV no outono e inverno, pode ser um desafio a mais, de como esses vírus possam interagir entre eles.
Ainda não se sabe se a infecção por outros coronavírus humanos pode oferecer alguma proteção contra o SARS-CoV-2. Em um experimento de cultura de células envolvendo SARS-CoV-2 e o SARS-CoV intimamente relacionados, os anticorpos de um coronavírus poderiam se ligar ao de outro coronavírus, mas não o desabilitavam ou neutralizavam.
Para acabar efetivamente com a pandemia, o vírus deve ser eliminado em todo o mundo – o que a maioria dos cientistas concorda que é quase impossível por causa de sua disseminação, ou seja, ou as pessoas adquirem imunidade suficiente por meio de infecções ou através de uma vacina. Estima-se que entre 55 a 80% da população deveria estar imune para que isso venha a acontecer ( imunidade de rebanho), dependendo do país.
Infelizmente, pesquisas anteriores sugerem que há um longo caminho a percorrer. As estimativas dos testes de anticorpos – que revelam se alguém foi exposto ao vírus e produziu anticorpos contra ele – indicam que apenas uma pequena proporção de pessoas foi infectada, e a modelagem da doença confirma isso. Um estudo de 11 países europeus calculou uma taxa de infecção de 3 a 4% até 4 de maio, inferida a partir de dados sobre a proporção de infecções por óbitos e quantas mortes houve. Nos Estados Unidos, onde houve mais de 150.000 mortes de COVID-19, uma pesquisa com milhares de amostras de soro, coordenada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, descobriu que a prevalência de anticorpos variava de 1% a 6,9%, dependendo da localização.
O que acontecerá em 2021 e depois?
O curso da pandemia no próximo ano dependerá muito da chegada de uma vacina e de quanto tempo o sistema imunológico permanecerá protetor após a vacinação ou após a recuperação da infecção. Muitas vacinas fornecem proteção por décadas – como as contra o sarampo ou a poliomielite – enquanto outras, incluindo a da coqueluche e a da gripe, desaparecem com pouco tempo. Da mesma forma, algumas infecções virais provocam imunidade duradoura, outras apenas uma resposta mais transitória.
A incidência total de SARS-CoV-2 até 2025 dependerá crucialmente dessa duração da imunidade, dizem os pesquisadores. Até agora, sabe-se pouco sobre a duração da imunidade à SARS-CoV-2. Um estudo de pacientes em recuperação descobriu que os anticorpos neutralizantes persistiram por até 40 dias após o início da infecção; vários outros estudos sugerem que os níveis de anticorpos diminuem após semanas ou meses. Se a COVID-19 seguir um padrão semelhante ao da SARS, os anticorpos poderão persistir em um nível alto por 5 meses, com um declínio lento ao longo de 2 a 3 anos.
Ainda assim, a produção de anticorpos não é a única forma de proteção imunológica; as células B e T da memória também se defendem contra futuros encontros com o vírus, e pouco se sabe até agora sobre seu papel na infecção por SARS-CoV-2. Para uma resposta clara sobre imunidade, os pesquisadores precisarão seguir um grande número de pessoas por um longo tempo, dizem os autores. Vamos ter que esperar.
Se as infecções continuarem a aumentar rapidamente sem uma vacina ou imunidade duradoura, poderemos ter uma circulação regular e extensa do vírus, diz o pesquisador. Nesse caso, o vírus se tornaria endêmico. E não é inimaginável: a malária, doença evitável e tratável, mata mais de 400.000 pessoas a cada ano. Esses piores cenários estão acontecendo em muitos países com doenças evitáveis, causando enormes perdas de vidas já.
Se o vírus induz imunidade de curto prazo – semelhante a dois outros coronavírus humanos, OC43 e HKU1, para os quais a imunidade dura cerca de 40 semanas – então as pessoas podem ser reinfectadas e pode haver surtos anuais, sugere a equipe de Harvard. Um relatório complementar, com base nas tendências de oito pandemias globais de influenza, aponta para uma atividade da COVID-19 significativa por pelo menos os próximos 18 a 24 meses, seja em uma série de picos e platôs que diminuem gradualmente, ou como uma “queima lenta” de continuar a transmissão sem um padrão de onda claro. No entanto, esses cenários são ainda apenas suposições, porque essa pandemia até agora não seguiu o padrão da gripe pandêmica. O mundo está em uma pandemia de coronavírus para a qual ainda não se tem precedentes.
Outra possibilidade é que a imunidade ao SARS-CoV-2 seja permanente. Nesse caso, mesmo sem uma vacina, é possível que, após um surto mundial, o vírus se extinga e desapareça até 2021. No entanto, se a imunidade for moderada, durando cerca de dois anos, aí pode até parecer que o vírus desapareceu, mas ele poderia voltar a aparecer em 2024, descobriu a equipe de Harvard.
Essa previsão, porém, não leva em conta o desenvolvimento de vacinas eficazes. É muito pouco provável que não haverá uma vacina efetiva, dada a enorme quantidade de esforço e dinheiro despejados na pesquisa, além do fato de que algumas candidatas já estarem sendo testadas em humanos. A Organização Mundial da Saúde lista 26 vacinas contra o COVID-19 atualmente em testes em humanos, com 12 delas em testes de fase II e seis em fase III. Mesmo uma vacina fornecendo proteção incompleta, já ajudaria a reduzir a gravidade da doença e prevenir a hospitalização. Ainda assim, levará meses para se produzir e se distribuir uma vacina bem-sucedida em quantidade suficiente.
O mundo não será afetado igualmente pela COVID-19. Regiões com populações mais velhas podem ver desproporcionalmente mais casos em estágios posteriores da epidemia; um modelo matemático baseado em dados de seis países, sugere que a suscetibilidade à infecção em crianças e pessoas com menos de 20 anos é aproximadamente a metade da dos adultos mais velhos. Há uma coisa porém, que todos os países, cidades e comunidades afetados pela pandemia têm em comum: há tanto que ainda não sabemos sobre esse vírus que, até termos dados melhores, ainda teremos muita incerteza.
Referente ao artigo: O futuro da Covid-19: Como a pandemia poderá ocorrer em 2021 e ainda além? Publicado em Nature.
Autor:
Dr. Dylvardo Costa Lima
Pneumologista, CREMEC 3886 RQE 8927
E-mail: dylvardofilho@hotmail.com
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