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Dor crônica – um grande problema de saúde pública mundial

Dor crônica é, atualmente, um dos grandes problemas de saúde pública mundial, acometendo cerca de 20% de toda população (1). A Associação Internacional do Estudo da Dor (AIED) define dor crônica como uma dor persistente por 3 a 6 meses após o início dos sintomas (2,3). Esse período álgico prolongado prejudica diretamente as relações sociais, econômicas, familiares e emocionais dos pacientes, aumentando a morbimortalidade dos mesmos (4).

Esses pacientes, na maioria das vezes, tornam-se incapazes de exercerem suas atividades laborais, adquirem isolamento social, desenvolvendo quadros depressivos severos, obrigando, muitas vezes, a outro membro da família assumir o papel de cuidador, desestruturando todo núcleo familiar, além de onerar o Estado com os custos desse individuo não mais produtivo (4).

A Síndrome Dolorosa Complexa Regional (SDCR), antigamente denominada de causalgia, é uma condição de desordem neurológica crônica que ocorre após um trauma. Cerca de vinte e seis indivíduos para cada 100 mil pessoas desenvolvem essa síndrome a cada ano (5), numa incidência de 30-40% após fraturas ou traumas cirúrgicos (6,7). Estudos recentes mostraram que 70% dos pacientes acometidos são mulheres, na faixa etária em torno de 40 a 70 anos. Notou-se também que o membro superior é o mais acometido, que geralmente a doença se manifesta de maneira unilateral e que a gravidade do trauma inicial não se relaciona diretamente com a gravidade dos sintomas (8,9).

O complexo entendimento da fisiopatologia dessa síndrome ainda não é totalmente conhecido, daí a nomenclatura “complexa”; porém acredita-se que uma associação de múltiplos fatores, após a injúria inicial do nervo, levaria à desordem no Sistema Nervoso Autônomo (SNA), ao processo inflamatório neural, e à mudança na plasticidade do Sistema Nervoso Central (SNC) (10).

Após a injúria tecidual, o sistema de vasoconstrição do Sistema Nervoso Autônomo Simpático é inibido, causando vasodilatação, edema e rubor no membro acometido. Essas manifestações caracterizam a fase aguda da SDCR. Com o passar do tempo, há aumento nos receptores α 1-adrenérgicos, sensíveis a norepinefrina, e, quando estimulados, desencadeiam dor. Essa expressão exacerbada de receptores α 1-adrenérgicos é o que caracteriza a fase crônica da SDCR, manifestando-se com vasoconstrição periférica, temperatura mais fria, coloração pálida da pele, atrofia muscular, devido à diminuição do fluxo sanguíneo para o local após a vasoconstrição, e a hiperidrose, dando aspecto de “pele pegajosa” (11). Outra consequência do dano ao SNA é a hiperestimulação, no gânglio da raiz dorsal da medula, das fibras sensitivas aferentes A delta e fibras C, responsáveis pela dor, enquanto há uma degeneração das fibras motoras A alfa (12,13).

Com a instalação das alterações no SNA, os, receptores nociceptivos sensitivos estimulados liberariam citocinas inflamatórias, como: Fator de necrose tumoral (TNF-a), glutamato e substância P que provocam a diminuição no limiar de despolarização de membrana, contribuindo para a hiperalgesia e alodínia clássica da SDCR (12).

A dor crônica da SDCR é resultado de estímulos elétricos persistentes no SNC, resultando na neuroplasticidade induzida pela dor (14), mesmo após a cura do tecido acometido, com lesão direta ou inflamação dos nervos (5). Essa descarga elétrica prolongada leva á abertura de canais iônicos voltagem dependente, tanto no SNC quanto no periférico, possibilitando a liberação de glutamato e ativando os receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA), resultando na hiperexcitabilidade do SNC (15). Paralelamente, há ativação de astrócitos e de células da microglia no corno dorsal da medula espinhal, desencadeando um processo inflamatório extenso, sendo responsável pela cronificação da dor (16).

Os canais de sódio voltagem dependente são proteínas transmembranas, constituídos de uma unidade maior, a unidade alfa, alfa e uma ou duas unidades auxiliares, unidade beta. Evidencias recente sugerem que, após a lesão ao nervo, há proliferação e hiperexcitação dos canais de sódio, resultando em descargas ectópicas no sítio inicial da injuria, nos neurônios adjacentes a injuria, e no gânglio da raiz dorsal da medula, o que explicaria a dor inflamatória e neuropática (17-19). Essas descargas espontâneas ocorreram tanto nas fibras nervosas mielinizadas, quanto nas amielinizadas, sugerindo que a atividade ectópica pode ocorrer tanto em receptores nociceptivos quanto em mecanorreceptores, como desencadeadores de dor (20).

A SDCR inicia-se, em geral, após um mês do trauma, manifestando-se como uma dor intensa, com ardor espontâneo, sensível ao toque, mudança de temperatura, movimento e até aos ruídos sutis, como barulho de trânsito (21). Na fase aguda, o membro afetado é seco quente e avermelhado, tornando-se, em seguida, frio, úmido e azulado. Na fase tardia da síndrome, há atrofia muscular diminuição do tecido adiposo adjacente, rarefação de pelos e unhas frágeis. Há atrofia e contração da fácies palmar e plantar, denominada “contratura de Entreprende “(22)”“. O diagnostico de SDCR é clínico, sendo necessário excluir outras patologias, como trombose venosa profunda e doenças reumatológicas.

O tratamento da SDCR visa tentar diminuir o processo inflamatório neuronal e promover analgesia, classicamente conseguida com o uso de opioides que, em uso crônico, causa muitos efeitos colaterais, como: adquirir tolerância, síndrome de abstinência e dependência (23, 24). Como adjuvância ao tratamento, já é bem estabelecido o uso de anticonvulsivante como gabapentina, pregabalina e uso de antidepressivos tricíclicos, como amitriptilina, na tentativa de diminuir a plasticidade neuronal (25).

Apesar disso, a maioria dos pacientes tratados permanece com dor refrataria ao tratamento e apenas 25% dos pacientes tem seus sintomas amenizados após um ano de tratamento (23), sendo o grande desafio da SDCR o controle álgico adequado. Em meio a esse cenário, a lidocaína surge como adjuvância no tratamento de dor crônica.

A Lidocaína é um anestésico local do tipo amida, com meia vida de eliminação de 1,5 a 2 horas, após infusão de bolus intravenoso (26). Desde 1962, seus efeitos analgésicos , quando administrados intravenoso, já são conhecidos para tratar a dor no pós-operatório (27), porém, desde 1980, essa droga tem sido muito estudada para tratar dor severa e refrataria ao tratamento convencional e para dor de origem central (28).

A Lidocaína tem múltiplos mecanismos de ação, incluindo a inibição dos canais voltagens dependente de sódio que levam a hiperestimulação neural após lesão do nervo (16). A lidocaína também promove o bloqueio dos receptores NMDA e desencadeia um efeito anti-inflamatório nas fibras nervosas, atuando, dessa forma, em todos os mecanismos fisiopatológicos da SDCR (29). A concentração plasmática da lidocaína dentro do alcance terapêutico é 1–3.7 mcg/mL, atingidos com doses intravenosas de lidocaína que variam de 2mg/kg ate 5mg/kg. O mecanismo específico que explicaria a extensão da analgesia por semanas após a infusão contínua de lidocaína ainda não é perfeitamente conhecido (30). Entretanto, há dois mecanismos que explicariam: o bloqueio dos canais aberrantes de sódio no corno posterior da medula, que acompanha a lesão no cordão medular (31), como também, o efeito anti-inflamatório da lidocaína inibindo a ativação glial no sistema nervoso central (32).

Estudos que avaliaram os efeitos da infusão de lidocaína na dose de 5 mg/kg em 30 min, em pacientes com dor neuropática por diabetes, mostraram que todos os pacientes tiveram redução da dor espontânea, da dor evocada e da alodínia e a duração dos efeitos variou de 6 horas ate 28 dias após a infusão, com mínimos efeitos colaterais leves e nenhum efeito colateral severo (30).

 

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