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Endometriose: qual o seu papel na infertilidade?

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Opto por iniciar esse artigo com o relato de uma paciente: “Aos 15 anos comecei a sentir muitas dores abdominais, enjoos, vômitos, meu abdômen muito inchado, parecia que estava grávida. Até a blusa e o elástico dos shorts quando encostavam na barriga doía. Em quatro dias estava internada. O diagnóstico: cisto de ovário. Resultado: fiz uma cirurgia igual a da cesárea para retirar o cisto. As dores estavam cada vez piores ao ponto de eu começar a urrar de dor. Mesmo quando não estava menstruada. Era normal acordar durante a madrugada gritando de dor. Aí você me pergunta – “Mas você não ia ao ginecologista?”, “Sim, muitas vezes e por diferentes profissionais. Sempre falei que tinha cólicas horríveis, com dores que pareciam descer para as pernas, era como se essas dores andassem pelo meu corpo”. Mas nada! De repente comecei a ter dores durante a evacuação e a sentir desconforto durante o sexo! No começo era uma ardência leve que não me impedia de transar. Com o tempo, a dor foi aumentando, que deixei de ter vida sexual ativa, como antes e também não consegui engravidar. Aos 30 anos um ginecologista resolveu investigar e valorizar minhas queixas.”
A endometriose é uma doença crônica, inflamatória, estrogênio-dependente que ocorre durante o período reprodutivo da vida da mulher, caracterizando-se pela presença de tecido endometrial, glândula e/ou estroma, fora da cavidade uterina1.
A prevalência da endometriose é apresentada na maioria dos artigos como acometendo 10% das mulheres em idade fértil. Dados recentes do DATASUS, de janeiro de 2009 a julho de 2013, revelam que o custo da doença no Brasil chega a 10,4 milhões de reais por ano, em mulheres jovens, sexualmente ativas e no auge da sua vida reprodutiva e profissional1.
O diagnóstico definitivo da endometriose é cirúrgico, porém a suspeição e o diagnóstico clínico são pontos de partida para o ginecologista desvendar esta enfermidade, mitigando o atraso de anos apregoado entre o inicio dos sintomas até o reconhecimento da endometriose, poupando assim o tempo de sofrimentos destas mulheres. A literatura relata que a maioria das mulheres com endometriose, levam em média sete anos e passam por sete médicos, até conseguir o diagnóstico definitivo da doença, devido à não valorização, por muitos profissionais, das queixas das pacientes2.
A endometriose é conhecida como a doença dos “6Ds” tendo como principais manifestações clínicas: dor pélvica crônica, dismenorréia (dor durante o período menstrual), dispareunia (dor nas relações sexuais), disquesia (evacuação dolorosa), disúria (dor ao urinar) e dificuldade de engravidar (infertilidade). O diagnóstico clínico de certeza é difícil. Embora estas manifestações sejam muito sugestivas de endometriose, não são exclusivas desta doença e requerem o diagnóstico diferencial com outras condições: aderências, síndrome do intestino irritável, doença inflamatória pélvica, cistite, neoplasias e outras mais. O exame físico é rico quando da presença de endometriose profunda retrocervical ou vaginal acessíveis ao toque vaginal que percebe espessamentos e/ou nódulos no fundo de saco vaginal posterior. Endometriomas ovarianos acima de 3 cm também podem ser reconhecidos por aumento de volume anexial1.
Nos casos de suspeita clínica de endometriose, deve ser solicitado o ultrassom transvaginal com preparo intestinal ou a ressonância magnética de pelve para o mapeamento de endometriose em busca das lesões profundas e dos endometriomas ovarianos3.
A etiologia da infertilidade associada à endometriose não é totalmente estabelecida, sendo, no entanto, corroborada por vários fatores. A relação causal entre endometriose e infertilidade não é conhecida, no entanto esta associação está fundamentada na alta prevalência da endometriose em populações de mulheres inférteis (até 50%) em comparação com populações férteis (5% a 10%). Ainda, tem sido relatado que mulheres inférteis possuem probabilidade seis a oito vezes maior de possuir endometriose4.
Estádios mais avançados de endometriose podem estar associados à infertilidade pela presença de aderências pélvicas e distorção na anatomia pélvica, ocorrendo impedimento da liberação oocitária pelo ovário ou captação deste oócito pela trompa uterina. No entanto, pacientes sem alterações maiores da anatomia pélvica também possuem piores resultados no desenvolvimento oocitário, embriogênese e implantação embrionária. Estudos demonstraram alterações em diversos níveis no ambiente reprodutivo em pacientes com endometriose: função peritoneal, resposta imunológica, disfunções hormonais e ovulatórias. Estudos com fertilização in vitro têm demonstrado diminuição da função espermática, diminuição da reserva ovariana, redução da recuperação oocitária, menor quantidade oócitos recuperados, diminuição da qualidade embrionária, diminuição da implantação embrionária com diminuição da receptividade embrionária5.
O manejo clínico prático de mulheres inférteis que sofrem de endometriose, hoje é realizado através de procedimento cirúrgico minimamente invasivo através de cirurgias minimamente invasiva por via videolaparoscópica ou robótica e em outras situações através de técnicas de reprodução assistida (T.R.A), devendo se levar em conta: idade, a duração da infertilidade, a reserva ovariana, o status tubário e espermático para pesar a valor relativo da primeira abordagem se cirúrgica ou por T.R.A6.
A boa notícia é que, com o avanço das pesquisas e a melhora progressiva da qualidade dos exames, a endometriose pode e deve ser diagnosticada e tratada precocemente. As cirurgias minimamente são eficazes em todos os casos de endometriose, envolvendo uma equipe multiprofissional. Em casos de infertilidade, há opções oferecidas pelas técnicas de fertilização assistida que são bem-sucedidas e permitem às mulheres engravidar.
Concluo com uma frase de uma outra paciente: “mulheres sentir cólicas menstruais exageradas não é normal. Não ao preconceito, nós não somos viciadas em analgésicos! Precisamos deles por conta da dor!
Manual de endometriose / Sérgio, Podgaec. — São Paulo : Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2014.
Nnoaham KE, Hummelshoj L, Webster P, et al. Impact of endometriosis on quality of life and work productivity: a multicenter study across ten countries. Fertil Steril. 2011;96(2):366-73.
Chapron C, Pietin-Vialle C, Borghese B, Davy C, Foulot H, Chopin N. Associated ovarian endometrioma is a marker for greater severity of deeply infiltrating endometriosis. Fertil Steril. 2009 Aug;92(2):453-7.
D’Hooghe TM, Debrock S, Hill JA, Meuleman C. Endometriosis and subfertility: is the
relationship resolved? Semin Reprod Med. 2003 May;21(2):243-54.
Vercellini P, Somigliana E, Vigano P, Abbiati A, Barbara G, Crosignani PG. Surgery for endometriosis-associated infertility: a pragmatic approach. Hum Reprod. 2009 Feb;24(2):254-69.
Ziegler D et al.Assisted reproduction in endometriosis, Best Practice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, https://doi.org/10.1016/j.beem.2018.10.001

Prof. Dr. José Juvenal Linhares
Prof. Adjunto da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia – UFC – Campus Sobral
Coordenador da Residência em G.O da Santa Casa de Misericórdia de Sobral/UFC
Doutor em Ginecologia pela Unifesp
Especialista em Ginecologia Minimamente Invasiva e Endometriose pelo Hospital Sírio Libanês
Diretor da Clínica Cliza (Sobral-CE)
juvenallinhares@gmail.com

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