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Pinceladas da Vida de Candido Portinari

Autorretrato de Portinari – 1957

“… uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só o coração nos poderá tornar melhores e é essa a grande função da arte.”

Cândido Portinari

Filho de Giovan Battista Portinari e Domenica Torquato (imigrantes italianos), Candido Portinari, de origem humilde, nasceu em 30/12/1903, na fazenda de café “Santa Rosa”, perto de Brodowski-São Paulo e faleceu no dia 06/02/1962, no Rio de Janeiro, aos 58 anos.

Candinho, o segundo dos 12 filhos do casal Battista e Dominga (como era conhecida), não completou o ensino primário. Em 1914, com 10 anos de idade, fez o retrato de Carlos Gomes, nome da banda que seu pai tocava. Em 1918, participou, durante vários meses, da restauração da Igreja de Brodowski, ajudando pintores e escultores intinerantes italianos.

Em 1920, no Rio de Janeiro, para onde tinha ido com 15 anos de idade, matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Participou de diversas exposições almejando a “Medalha de Ouro”, do salão da ENBA. Em 1928, ganhou a sonhada medalha e uma viagem à Europa, com a tela “Retrato de Olegário Mariano”.

Durante os dois anos que passou em Paris, Portinari teve contato com importantes artistas, frequentou museus e conheceu sua futura mulher, a uruguaia Maria Martinelli (1912-2006). Em Paris, vendo sua terra à distância, escreveu: “Vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor…”

Em 1931, Portinari retornou ao Brasil casado com Maria, que foi seu esteio, suporte e âncora por proporcionar-lhe total e exclusiva dedicação à pintura.

Em 1935, com a obra “Café”, importante marco de sua pintura social, Portinari conquistou menção honrosa e inúmeros elogios de críticos americanos, na Exposição Internacional de Arte Moderna do Instituto Carnegie, em Nova Iorque.

Portinari passou a retratar a história e a cultura do povo, revelando, assim, a alma do brasileiro. Sensível ao sofrimento de sua gente, mostrou, em cores fortes, os plantadores de café, os trabalhadores, a dor e a miséria dos retirantes nordestinos. Sua faceta lírica o fez pintar os meninos de Brodowski com suas brincadeiras, danças e cantos.

Em 1939, nasceu João Candido, filho único do casal Portinari.  João se dedica, desde 1979, ao “Projeto Portinari” e define o seu pai com a palavra “Amor”, pois em sua obra a luta por valores humanos e socais é permanente.

Portinari realizou exposição individual em Nova Iorque e em Paris; pintou os murais da Biblioteca do Congresso Americano, em Washington; do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro; decorou a Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, em Belo Horizonte, com os murais “São Francisco” e “Via Sacra”; pintou os painéis: “Tiradentes”, “A Primeira Missa no Brasil” e os da Igreja Matriz de Batatais-SP;  pintou, entre outras, as séries: “Meninos de Brodowski” e “Os Retirantes”(Criança Morta, Enterro na Rede e Retirantes) onde denuncia a profunda desigualdade social do Brasil.

Em 1941, demonstrando singelo amor por sua avó paterna Pellegrina, que doente não podia se locomover para ir à Igreja rezar, Portinari pintou, em um dos cômodos da residência da família, em Brodowski, a “Capela da Nonna”.  Para a decoração, Portinari pintou os santos prediletos de sua avó, em tamanho natural, usando como modelo os familiares e amigos.

Portinari foi um dos maiores pintores brasileiros de todos os tempos, deixando um legado de mais de cinco mil obras de arte. Participou de exposições em vários países do mundo. Foi consagrado em São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Nova Iorque, Montevidéu, Varsóvia, entre outras cidades. O governo francês o condecorou com a “Legião de Honra (1946).

Já doente, intoxicado pelo chumbo das tintas, aceitou, em 1952, a incumbência de pintar dois painéis para a ONU, “Guerra e Paz”, de 10 x 14m, cada, concluindo-os, em 1956. O tema da guerra foi inspirado por “Quatros Cavaleiros do Apocalipse”, da bíblia, e o da Paz, pela tragédia grega Eumênides, de Esquilo, em visão livre.

O artista Enrico Bianco disse que “Guerra e Paz” são as duas grandes páginas da emocionante comunicação, que o pintor entrega à humanidade. Segundo seu filho, João Cândido, esta grandiosa obra universal é um diálogo entre o trágico e o lírico, entre a fúria e a ternura, entre o drama e a poesia.

Sua faceta de poeta o levou a escrever poemas, com temas sociais, traduzindo poeticamente sua obra plástica. Em um texto, Portinari escreveu:

“Impressionavam-me os pés dos trabalhadores das fazendas de café. Pés disformes. Pés que podem contar uma história. Confundiam-se com as pedras e os espinhos. Pés sofridos com muito e muitos quilômetros de marcha. Pés que só os santos têm. Sobre a terra, difícil era distingui-los. Os pés e a terra tinham a mesma moldagem variada. Raros tinham dez dedos, pelo menos dez unhas. Pés que inspiravam piedade e respeito. Agarrados ao solo eram como os alicerces, muitas vezes suportavam apenas um corpo franzino e doente. Pés cheio de nós que expressavam alguma coisa de força, terríveis e pacientes.”

Portinari ilustrou, através da “Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil”, as obras literárias: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1944) e “O Alienista” (1948).

Atuante no movimento político-partidário, Portinari candidatou-se, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), a deputado federal (1945) e a senador (1947), sem conseguir eleger-se. Perseguido no Brasil, por ser comunista, exilou-se durante algum tempo, no Paraguai. Portinari nunca se afastou de suas convicções ideológicas. Sua militância política é absolutamente fiel e coerente com sua pintura. Ironicamente, Portinari foi proibido de participar da inauguração dos painéis “Guerra e Paz”, ao ter o visto de entrada nos EEUU negado, por pertencer ao PCB, e faleceu sem vê-los expostos na ONU.

Em 1960, quando nasceu sua neta Denise, ele escreveu: “Minha neta me libertará da solidão”. Denise foi retratada pelo avô dezenas de vezes, em telas líricas.

Intoxicado pelo chumbo das tintas (saturnismo), faleceu em 6 fevereiro de 1962, aos 58 anos.  Presentes no velório: Juscelino Kubitschek, Hermes Lima, representando o Presidente João Goulart, os líderes comunistas na clandestinidade, Luís Carlos Prestes e Carlos Marighela, e o líder anticomunista e governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. A Presidência da República emitiu nota de pesar e foi decretado luto oficial de três dias no Estado da Guanabara.

Portinari, ícone do modernismo brasileiro, ao colocar o homem como tema central de sua arte, nos lega uma mensagem de humanismo universal.

Fortaleza, 21 e 22 de fevereiro de 2021

 

dra. ana

 

Autora: Dra. Ana Margarida Arruda Rosemberg, médica, historiadora, imortal da Academia Cearense de Medicina e conselheira do Jornal do Médico.

 

 

 

 

 

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