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Sequela respiratória residual após COVID-19 – o que dizem os especialistas?

Em dezembro de 2019, um novo coronavírus (SARS-CoV-2), capaz de infectar o trato respiratório em humanos, surgiu em Wuhan (China), causando uma doença conhecida como COVID-19. Uma possível complicação da infecção por SARS-CoV-2, é uma síndrome respiratória aguda grave (SARS), decorrente de pneumonia intersticial. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia global. Em junho de 2021, mais de 175 milhões de pessoas foram infectadas pelo SARS-CoV-2 em todo o mundo e 3,8 morreram.

Vários estudos relataram, uma variedade de características clínicas e laboratoriais, entre pacientes com COVID-19 hospitalizados, incluindo níveis elevados de marcadores inflamatórios. A frequência de comprometimento respiratório e funcional após COVID-19 ainda é debatida, mas vários estudos encontraram volumes pulmonares reduzidos, Capacidade de Difusão para Monóxido de Carbono (CDCO) reduzida e tolerância a exercícios reduzida após a alta hospitalar. Um acompanhamento abrangente com uma estratégia de etapas para pacientes com COVID-19 após a recuperação clínica foi defendido. Realizamos um estudo para investigar a prevalência de comprometimento respiratório em uma coorte de pacientes com COVID-19 após a alta hospitalar, e para determinar a relação entre a gravidade do envolvimento pulmonar durante a hospitalização, e a extensão das anormalidades clínicas e funcionais residuais.

 

População e subgrupos do estudo

No programa ambulatorial pós-COVID-19 da Fondazione Policlinico Universitario “A. Gemelli” em Roma, na Itália, uma equipe multidisciplinar avalia os pacientes após a alta hospitalar. Pacientes que se apresentaram entre 22 de abril e 27 de maio de 2020, foram convidados a participar do estudo. Os critérios de inclusão foram: internação anterior por COVID-19; evidência radiológica de pneumonia intersticial no momento da admissão hospitalar; esfregaço nasofaríngeo negativo para SARS-Cov-2 nas 48–72 horas antes da inscrição no estudo.

Com base nos valores de análise da Gasometria Arterial (GA) durante a hospitalização, três subgrupos foram definidos usando o pior valor de PaO2/FiO2 (p/F): leve (p/F ≥ 300), moderado (≤ 200 p/F <300), e grave (p/F <200). Esses valores, derivados dos Critérios de Berlim para SDRA, foram usados ​​na prática clínica para estratificar a gravidade da insuficiência respiratória. O consentimento informado por escrito foi obtido de cada participante.

 

Desenho de estudo e avaliações

Neste estudo transversal, todos os pacientes foram submetidos a exame físico, gasometria arterial em repouso, Provas de Função Pulmonar (PFP) com CDCO e Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6’) no momento da visita do estudo. Os testes de função pulmonar foram realizados de acordo com as diretrizes internacionais atuais. O TC6’ foi usado para avaliar o nível submáximo de capacidade funcional. Após 6 min de repouso, o paciente foi instruído a caminhar ao longo de um corredor de 50 m o mais rápido possível por 6 minutos, usando um oxímetro de pulso de dedo para registrar a Saturação Percutânea de Oxigênio ou Oximetria de Pulso (SpO2) e a Frequência Cardíaca (FC). No final dos 6 minutos (ou antes, se o paciente não conseguisse andar mais por causa de fadiga, dispneia ou dor no peito, ou se a saturação caísse abaixo de 80%), a distância percorrida era registrada e o paciente era convidado a sentar-se e descansar por 6 min. Uma queda na saturação de oxigênio ≥ 4% da linha de base foi considerada clinicamente relevante.

Durante a visita do estudo, uma pontuação da Escala Visual Analógica (EVA) foi usada, para medir os níveis de dispneia e tosse. Usando uma escala linear de 100 mm, em que 0 mm representa ausência, e 100 mm representa a pior dispneia e tosse, os pacientes foram solicitados a relatar os níveis desses dois sintomas no início da doença (ou seja, imediatamente antes da admissão hospitalar), durante a hospitalização, e no momento da visita de estudo. Os dados retrospectivos coletados para este estudo incluíram achados de imagem do tórax, tratamentos farmacológicos, valores de p/F, o tipo de suporte respiratório e a duração da hospitalização.

 

Características da população de estudo

Cento e cinquenta e sete pacientes incluídos no programa de acompanhamento pós-Covid, foram selecionados para inclusão no estudo. Vinte e seis pacientes foram excluídos, devido à positividade do swab nasofaríngeo SARS-Cov-2; dezoito pacientes foram excluídos por falta de evidência radiológica de pneumonia COVID-19 no momento da internação; 27 pacientes foram excluídos por não terem sido internados (alta do Pronto Socorro). Oitenta e seis pacientes foram incluídos nas análises.

A visita do estudo ocorreu 35 dias (média: ± 21) após a alta hospitalar. No momento da admissão hospitalar, a imagem do tórax (ou seja, radiografia de tórax ou tomografia computadorizada de tórax) revelou opacidades em vidro fosco bilaterais (OVF) com ou sem consolidações em 70 pacientes (81%). Dezesseis pacientes (19%) tiveram envolvimento pulmonar unilateral. Durante a internação, 56 (65%) pacientes necessitaram de oxigênio suplementar e 15 pacientes (17%) foram admitidos na unidade de terapia intensiva.

O teste de função pulmonar mostrou volumes pulmonares globais preservados, com capacidade pulmonar total prevista (CPT) média percentual de 89,6% (± 14,6%) e capacidade vital forçada prevista (CVF) percentual média de 104,6% (± 18,5%). A porcentagem média do volume expiratório forçado previsto no primeiro segundo (VEF1) foi de 102,8% (± 16,0%). O volume residual predito percentual médio (VR) foi o único volume respiratório reduzido abaixo do percentil 5 (74,8 ± 18,1%). A percentagem da CDCO prevista também foi ligeiramente reduzida (77,2 ± 16,5%).

A pressão parcial média de oxigênio (pO2) foi de 91,4 mmHg (± 8,0) e o gradiente alvéolo-arterial de oxigênio (d (A-a)) foi de 13,0 mmHg (± 7,5). Aproximadamente um mês após a alta hospitalar, os pacientes relataram mais dispneia do que valores pré-admissão.

 

Comparação de grupos de estudo por relação p/F

A maioria dos pacientes (88%) fez uma gasometria arterial durante a internação e, portanto, foi incluída nesta análise. Entre os pacientes excluídos, 8 pacientes não realizaram gasometria arterial e 2 pacientes realizaram gasometria arterial com fração inalada de oxigênio desconhecida.

Sexo, tabagismo e comorbidades não foram diferentes entre os grupos. Seis pacientes (21%) no grupo de hipoxemia leve tinham história de asma. Os pacientes no grupo de hipoxemia grave eram mais velhos (63,1 anos), tiveram um tempo de internação mais longo (23,0 dias) e foram tratados com medicamentos anti-IL-6 e enoxaparina mais frequentemente (respectivamente 81% e 95%).

Os volumes pulmonares foram geralmente menores no grupo de hipoxemia grave, incluindo menor porcentagem de CVF prevista, menor porcentagem de VEF1 previsto e menor porcentagem de CPT prevista. No grupo de hipoxemia grave, o percentual médio de CPT previsto foi de 80,4% (± 3,1), indicando um comprometimento restritivo residual após 35 dias da alta hospitalar. CDCO também foi mais reduzido (64,9 ± 3,2% do previsto) no grupo de hipoxemia grave do que nos outros dois grupos.

Como esperado, o gradiente alvéolo-arterial de oxigênio aumentou progressivamente entre os grupos de estudo, variando de 10,1 mmHg (± 1,4) no grupo com hipoxemia leve, a 16,6 mmHg (± 1,6) no grupo com hipoxemia grave. Comparados aos pacientes do grupo de hipoxemia grave, os pacientes do grupo de hipoxemia leve demonstraram maior tolerância ao exercício (+ 80,0 m na distância percorrida no TC6’) e oximetria mais alta na SpO2 (+ 2,5%). Os níveis de dispneia e tosse no momento da visita do estudo foram semelhantes entre os grupos.

 

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem, que as anormalidades respiratórias persistem ao longo do tempo, em pacientes com COVID-19, que apresentaram uma forma mais grave da doença durante a hospitalização. Vários estudos já relataram uma redução nos volumes pulmonares e nos níveis da CDCO, bem como redução da tolerância ao exercício após a alta hospitalar. Nosso estudo expande esses achados em uma coorte italiana maior. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que estabelece as relações entre a gravidade da insuficiência respiratória aguda (medida pela relação p/F) e uma ampla gama de gasometria arterial e parâmetros fisiológicos.

Identificamos uma persistência de dispneia na população geral do estudo, um achado consistente com um estudo de Wong e colaboradores, que relatou dispneia em metade dos 78 pacientes com COVID-19, após a alta hospitalar.

Para explorar o impacto da gravidade da doença nas anormalidades respiratórias residuais, os pacientes foram estratificados em três grupos, de acordo com os níveis de insuficiência respiratória, durante a internação. Não foram observadas diferenças significativas em relação aos tratamentos, exceto enoxaparina e anti-IL-6, administrados com maior frequência no grupo grave. O uso limitado de corticosteroides foi provavelmente devido, ao fato de que as evidências para o uso de dexametasona apareceram no final do estudo. Não podemos excluir que um uso mais extenso de corticosteroides teria mudado nossos achados.

Os pacientes com doença leve e moderada, tinham volumes pulmonares normais. Em contraste, uma redução leve no VR foi encontrada no grupo com hipoxemia grave. Se este achado resulta de complacência pulmonar alterada neste grupo, ainda precisa ser determinado. Além disso, a CPT estava no limite inferior do normal no grupo grave: este achado sugere uma ligação entre a gravidade da pneumonia por COVID-19 e a redução dos volumes pulmonares. Não foi possível determinar se tais anormalidades foram devido à presença de sequelas fibróticas após a pneumonia intersticial aguda, uma vez que nossa coorte não foi submetida a uma tomografia computadorizada de tórax, no momento da visita do estudo. Além disso, identificamos valores normais de CDCO nos grupos de hipoxemia leve e moderada, e valores reduzidos no grupo de hipoxemia grave. Isso pode refletir o grau de dano microvascular e epitelial, provavelmente mais consistente nos casos graves. Pacientes em recuperação de SDRA de qualquer causa, podem apresentar comprometimento funcional persistente, um ano após a alta hospitalar. Portanto, esses achados podem não ser específicos para COVID-19.

Nosso estudo teve várias limitações. A TCAR não estava disponível no momento da visita do estudo: como tal, as relações entre o comprometimento funcional e as alterações fibróticas residuais, permanecem desconhecidas. O tempo de acompanhamento neste estudo é curto, e mais estudos são necessários para esclarecer se as anormalidades respiratórias persistem em longo prazo. O uso da relação p/F para classificar a gravidade do COVID-19 não é ideal, pois pode não ser confiável em pacientes não intubados. Finalmente, os níveis de dispneia e tosse antes e durante a hospitalização, foram coletados no momento da avaliação clínica de acompanhamento: eles podem, portanto, não medir com precisão a gravidade dos sintomas nesses pontos temporais.

 

Conclusão

A pneumonia COVID-19 grave pode resultar em anormalidades respiratórias, e uma redução na tolerância ao exercício, que pode estar presente pelo menos um mês após a alta hospitalar. Além disso, uma baixa relação p/F durante a fase aguda da infecção, parece se correlacionar com uma redução residual dos volumes pulmonares e redução residual na CDCO. Um acompanhamento adicional é necessário, para determinar o grau de comprometimento pulmonar e de exercícios, após a hospitalização por pneumonia COVID-19.

 

Referente ao artigo publicado em Medscape

 

 

 

Autor: 
Dr. Dylvardo Costa Lima
Pneumologista, CREMEC 3886 RQE 8927
E-mail: dylvardofilho@hotmail.com

 

 

 

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