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Como o surgimento do crime organizado ameaça a Amazônia

No coração da Amazônia brasileira, homens armados, usando balaclavas e empunhando armas de fogo, intimidaram a mim e a dois outros jornalistas, em uma margem remota de um rio perto da fronteira com a Colômbia, em fevereiro. Aventuremo-nos na floresta tropical para investigar o aumento da violência, da mineração ilegal e do tráfico de drogas que a Amazônia tem testemunhado desde 2016, e para mapear a presença de grupos armados transfronteiriços. Fazemos parte da Amazon Underworld, uma aliança de mídia composta por mais de 30 profissionais.

 

Sabíamos que a região abrigava garimpeiros de ouro armados de espingarda, que dragavam ilegalmente o rio com barcaças gigantescas, e guerrilheiros colombianos que cruzaram a fronteira para o Brasil, para extorquir os garimpeiros em busca de ouro. Mas os indivíduos armados que nos detiveram eram afiliados ao Estado, uma unidade de polícia militar desonesta, que supervisiona e protege as operações ilegais de mineração. Trabalhando fora da lei, eles acumulam milhões de dólares anualmente em pagamentos em ouro. Ali, no seu domínio sombrio, ninguém que faça perguntas, é bem-vindo.

 

O líder do grupo armado exigiu que apagássemos todas as fotos que havíamos tirado durante dois dias de observação das barras de mineração, antes de apreenderem nossos cartões de memória. Felizmente, tínhamos um backup oculto.

 

A mineração ilegal é apenas uma parte de uma rede complexa de crime organizado transnacional, corrupção e extração de recursos que ameaça a Amazônia, um regulador climático crucial. No entanto, melhorar a segurança na Amazónia, estava ausente da agenda da COP28, a reunião climática das Nações Unidas de 2023 no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Abordar este dilema de segurança é fundamental para salvaguardar a floresta amazônica, as populações que ela abriga, e o clima global.

 

A violência e a atividade criminosa na Amazônia pioraram desde o início da pandemia da COVID-19, quando os governos e as autoridades policiais priorizaram o controle da pandemia, em vez da redução do crime organizado. O aumento da violência coincidiu com o governo brasileiro de 2019-22 do então presidente Jair Bolsonaro, que apelou abertamente à mineração de terras indígenas. Em 2023, o desmatamento anual na Amazônia brasileira diminuiu drasticamente. Mas o ano também assistiu a incêndios florestais no Brasil e na Bolívia, e a notícias com imagens de crianças indígenas Yanomami desnutridas, cujas terras ancestrais estão sitiadas por garimpeiros. Na região de Putumayo, no sul da Colômbia, um corredor crucial para a indústria da cocaína, três ou mais pessoas foram mortas em 21 ocasiões distintas desde 2020, principalmente devido a uma luta territorial implacável entre duas facções armadas.

 

O fascínio pelos lucros ilícitos atraiu gangues urbanas do Brasil, como o Primeiro Comando da Capital de São Paulo e o Comando Vermelho do Rio de Janeiro, e grupos de guerrilha rural da Colômbia até à Amazónia. Alguns vieram inicialmente pela cocaína, o seu principal ingrediente, a coca, pode ser cultivada lá, mas ficaram pelo ouro e para lavar os lucros da droga. Especialmente nas zonas fronteiriças com presença mínima do Estado, as atividades ilícitas cruzam-se com empresas pecuárias e agrícolas legítimas. Os povos indígenas são frequentemente colocados em risco, quando estas atividades se sobrepõem às suas terras.

 

Uma dessas populações é a dos Yuri-Passé, um grupo indígena isolado, que vive em um parque nacional protegido no lado colombiano do rio Puré, perto de onde os homens armados tentaram nos intimidar do lado brasileiro. Os guardas-florestais do parque nacional abandonaram os seus postos em 2020, após ameaças de uma facção guerrilheira colombiana, deixando o povo Yuri-Passé desprotegido. A comunidade, de cerca de 400 pessoas, enfrenta uma ameaça existencial de doenças, poluição e ataques de garimpeiros e grupos armados.

 

Esta região amazônica na fronteira entre a Colômbia e o Brasil não é uma exceção. Nossa investigação encontrou grupos criminosos em 70% dos municípios nas fronteiras do Brasil, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela. Muitas vezes, os jovens indígenas são trazidos para o crime organizado pela força ou são atraídos por grupos armados não-governamentais que suplantam o Estado, realizam uma “justiça” rudimentar, e cobram impostos sobre os habitantes e atividades econômicas da região.

 

Até agora, as autoridades não conseguiram acompanhar as redes criminosas cada vez mais complexas. As organizações criminosas forjam agora alianças além-fronteiras, apesar das diferenças culturais e ideológicas. A escalada da violência e a presença criminosa, podem minar o apoio internacional aos projetos de conservação.

 

As soluções para estas questões multifacetadas podem não ser simples, mas existem medidas práticas. As nações devem cooperar entre si para se protegerem contra esta violência. Devem apoiar as comunidades locais, aumentando a presença do Estado em áreas remotas e promovendo cuidados de saúde, educação e desenvolvimento económico sustentável, e ajudá-las a salvaguardar a floresta tropical. Por exemplo, os povos indígenas no Peru e no Brasil estão a utilizar drones e dispositivos GPS, para monitorizar as suas terras e detectar ameaças de invasores violentos.

 

Os povos indígenas são os melhores guardiões da floresta amazônica, mas precisam de mais terras legalmente demarcadas e de medidas de proteção, como financiamento para guardas indígenas e protocolos de resposta rápida e de emergência. Em 2022, a Colômbia e o Brasil registaram o maior número de mortes de defensores ambientais e fundiários em todo o mundo. O desenvolvimento de estratégias eficazes para reforçar a cooperação entre as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e as populações locais também deve ser uma prioridade.

 

Para evitar danos irreversíveis à floresta tropical e ao clima, a segurança na Amazônia deve ser adicionada à agenda climática global.

 

Referente ao artigo publicado em Nature

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