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Megalomania na nossa sociedade líquida

A megalomania costuma ser uma patologia mais do que evidente para boa parte de quem compartilha sua vida privada com o sujeito. Tanto porque a pessoa afetada se fecha em um mundo próprio, o que acaba prejudicando-a, tornando-a uma pessoa frágil e patética, e porque muitas vezes ela, para corroborar suas fantasias ou seus projetos, realiza atos que acabam colocando ai daqueles que mais gostam dele ou que, por leviandade, confiam nele. Porém, por mais grave e evidente que seja para os outros, o quadro patológico da megalomania é obstinadamente negado pelo próprio sujeito, pela insuportável angústia associada à tomada de consciência de estar doente, “aleijado”. Esta negação significa que a aspiração à grandeza é relançada incessantemente, transformando-se cada vez mais num desafio paranoico contra o tempo, contra os outros e contra o destino. Portanto, embora o megalomaníaco aparentemente viva numa condição de segurança emocional e exaltação própria, sua megalomania esconde um aspecto muito insidioso: o terror do colapso depressivo. O megalomaníaco vive num estado de excesso maníaco permanente, isto é, de entusiasmo exasperado e de auto-estima exagerada, porque sente que sob esta fina camada de gelo está o abismo da devastação depressiva.

 

 

Na realidade tem uma autoestima muito baixa, ligada a antigas percepções primárias (julgamentos negativos do ambiente, modelos de referência considerados inatingíveis ou mesmo a consciência primária de défices e desvantagens, acompanhada pelo escárnio, desprezo ou compaixão dos outros). Então ele vive como um leão, fugindo continuamente da autoconsciência, que gostaria de rejeitá-lo em contato com sua imagem interna negativa. Com o passar dos anos, o megalomaníaco associa essa imagem interna negativa a uma necessidade angustiante de punição, tanto pelo antigo autodesprezo quanto pelos sentimentos de culpa desenvolvidos ao longo da vida devido aos seus comportamentos desleais e perigosos. A necessidade de punição estrutura-se então num masoquismo moral, um “querer-se mal” que o ameaça de aniquilação.

 

 

Nesta perspectiva e nesta fase da doença, os conflitos que consegue provocar têm o objectivo secreto de provocar a sua própria destruição. A mitomania (ou psefologia) é uma variante sutil da megalomania. Enquanto o megalomaníaco tem a necessidade de expor continuamente seus projetos ao teste da realidade (metendo-se em problemas sem fim), o mitomaníaco, especialista em sugestão e engano, evita expor-se ao colapso depressivo que pode surgir do impacto decepcionante com a vida real. Prefere envolver-se em fantasias, enganar sistematicamente os outros, evitando qualquer comparação possível; mas no final a vida real ou pelo menos a vida psicológica exige dele uma conta que ele nunca será capaz de pagar. Neste ponto o seu destino é inteiramente idêntico ao do megalomaníaco: a sua auto-exaltação maníaca dá lugar à mais negra depressão, ou, em casos não raros, sofre um terrível castigo da realidade (fracassos económicos e emocionais, denúncias e disputas judiciais). ou, se as coisas correrem mal, espancamentos e até assassinatos). Fases e estrutura da patologia O transtorno megalomaníaco e mitomaníaco segue fases (nascimento, desenvolvimento, pico e possível colapso) que revelam como funciona segundo uma lógica mais ou menos sistematizada.

 

 

O mitômano descobriu, geralmente desde criança, o poder devastador da crítica – ou melhor: da perseguição crítica. Num tipo de caso, as críticas são as que lhe são dirigidas pelos pais, pessoas rígidas e com exigências exorbitantes, ora no sentido moral, ora no sentido social. O futuro “doente” era perseguido pela obrigação de dar provas excepcionais, fora do comum, de si mesmo, para que, com medo de decepcionar as expectativas dos outros, aprendesse a mentir: aos outros sem dúvida, mas muitas vezes também a si mesmo. Num outro tipo de casos, o futuro “doente” sofria a perseguição directa ou indirecta do julgamento social, muitas vezes devido a uma família a que pertencia, que era considerada deficiente ou degradada e da qual sentia intensa vergonha. Daí a necessidade de criar “contos de fadas” compensatórios e repassá-los a outros. Então, antes de tudo o mitômano vive na angustiada necessidade de esconder seu “lado negro” (profunda insegurança e baixa autoestima. 1) Isso o obriga a viver como um fugitivo, sempre em busca da exaltação e apavorado com a possibilidade de se reconhecer como deficiente em relação ao modelo ideal e ter um colapso depressivo. Acaba então criando um “mito” para si mesmo, um conto de fadas no qual ele é um indivíduo excepcional. O mito protege-o (temporariamente) do colapso.

 

Rossana Köpf – psicanalista

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