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Estudo pioneiro sugere que alimentos que estimulam o microbioma intestinal, podem tratar a desnutrição grave

Para combater os efeitos devastadores da desnutrição em crianças, nutrir os ecossistemas microbianos em seu intestino, pode ser quase tão importante quanto fornecer calorias e vitaminas ausentes. Na última década, vários estudos mostraram que, dar às crianças um suplemento para nutrir espécies bacterianas benéficas no intestino, pode ajudá-las a ganhar peso e reverter o nanismo, o crescimento e desenvolvimento prejudicados resultantes da falta de nutrientes.

 

 

Um novo estudo, realizado em Bangladesh, e publicado esta semana na Science Translational Medicine, confirma os benefícios desses suplementos “direcionados ao microbioma”, e mostra que eles podem ajudar, não apenas crianças moderadamente desnutridas, como estudos anteriores estabeleceram, mas também, aquelas que sofreram de desnutrição grave. A pesquisa também fornece novas pistas sobre o mecanismo por trás do tratamento.

 

 

“O trabalho é uma bela demonstração de como os alimentos, que sustentam nossos micróbios intestinais, podem levar a uma saúde melhor”, diz Justin Sonnenburg, cientista do microbioma na Universidade de Stanford. Se a abordagem for mantida, ela poderá “resultar em benefícios à saúde de milhões de crianças desnutridas em todo o mundo”, acrescenta Narayanan Parameswaran, médico intensivista pediátrico do Instituto Jawaharlal de Educação Médica de Pós-Graduação e Pesquisa.

 

 

Cientistas fazem uma distinção entre desnutrição aguda moderada, que afeta cerca de 40 milhões de crianças, e desnutrição aguda grave, que afeta outros 15 milhões. Crianças gravemente desnutridas são edemaciadas e tipicamente letárgicas ou até mesmo inconscientes, têm mãos frias, pulso rápido, pressão arterial baixa e podem estar perto da morte.

 

 

Os tratamentos padrão para essas condições, são os chamados alimentos terapêuticos ou suplementares prontos para uso (RUFs): pastas feitas de leite em pó, amendoim, manteiga, óleo vegetal e açúcar, que são abarrotadas de calorias, minerais e vitaminas, e que os pais podem simplesmente espremer de um sachê. Tomar RUFs pode ajudar crianças desnutridas a ganhar peso, mas elas “continuam em risco de déficits de longo prazo, incluindo nanismo, disfunções metabólicas, função imunológica prejudicada e distúrbios do neurodesenvolvimento”, diz Kenya Honda, microbiologista e imunologista da Faculdade de Medicina da Universidade Keio.

 

 

Uma década atrás, o cientista de microbioma Jeffrey Gordon da Universidade de Washington em St. Louis, e o especialista em desnutrição infantil Tahmeed Ahmed, diretor do Centro Internacional de Pesquisa de Doenças Diarreicas, Bangladesh, mostraram que uma grave falta de alimentos também retardava o desenvolvimento adequado dos microbiomas intestinais dos bebês: eles tinham bactérias geralmente vistas em recém-nascidos, mas não adquiriam as espécies encontradas em crianças mais velhas e saudáveis. Em um estudo 2 anos depois, eles exploraram as consequências. Quando camundongos “sem germes”, que não têm nenhuma flora intestinal, receberam o microbioma de crianças desnutridas, os músculos e as respostas imunológicas, não se desenvolveram tão bem, quanto em camundongos que receberam o microbioma de crianças saudáveis. A descoberta sugeriu que, reparar o microbioma, pode diminuir os efeitos da desnutrição em crianças.

 

 

Usando estudos com animais, a equipe identificou uma mistura de alimentos prontamente disponíveis em Bangladesh, incluindo grão-de-bico, banana e farinha de soja e amendoim, que estimulava o desenvolvimento normal do microbioma intestinal. Então, eles começaram a testar os efeitos do suplemento em crianças desnutridas. Um estudo entre 118 crianças de 12 a 18 meses de idade, moradores de favelas, que sofriam de desnutrição moderada, publicado no The New England Journal of Medicine em 2021, forneceu tratamento por 3 meses, seguido por exames um mês depois. As crianças que receberam o novo suplemento ganharam peso mais rápido do que aquelas que receberam RUFs, e tiveram mudanças benéficas nas concentrações de mais de 700 proteínas no sangue, contra 82 proteínas no grupo RUF.

 

 

Outro exame das mesmas crianças 2 anos depois, revelou benefícios adicionais. Um artigo publicado em junho no eBioMedicine, por exemplo, mostrou que o novo suplemento pode reverter o nanismo, ao contrário do tratamento padrão.

 

 

O estudo publicado pela equipe de Gordon e Ahmed esta semana é o primeiro a focar em crianças com desnutrição grave, que é mais desafiadora de tratar. A equipe avaliou 124 crianças entre 12 e 18 meses de idade internadas em hospitais urbanos e rurais em Bangladesh. Elas foram alimentadas e tratadas para quaisquer infecções ou diarreia, até que sua condição melhorasse de grave para moderadamente desnutrida. Então, metade recebeu um RUF por 3 meses, e metade o suplemento direcionado ao microbioma. O último grupo ganhou peso mais rápido, e seu sangue continha maiores concentrações de proteínas conhecidas por estimular o crescimento do esqueleto, músculos e cérebro, relatam os cientistas.

 

 

“Este estudo clínico é um marco importante no campo”, diz Amélie Joly, que estuda os efeitos da desnutrição na fisiologia juvenil no CNRS, a agência nacional de pesquisa francesa.

 

 

Os pesquisadores também estão explorando como o tratamento funciona. Ao sequenciar DNA e RNA de amostras fecais, coletadas várias vezes ao longo do tratamento, por exemplo, eles podem avaliar como a composição e a atividade dos micróbios no intestino das crianças mudam. Em um artigo da Nature do ano passado, eles descreveram 75 espécies microbianas que se tornaram muito abundantes durante o tratamento, conforme as crianças melhoravam. Uma espécie, chamada Prevotella copri, chamou a atenção, porque ativou uma série de genes que codificam proteínas que podem quebrar os carboidratos do suplemento.

 

 

Estudos de acompanhamento confirmaram que a P. copri desempenha um papel importante no intestino. Quando os pesquisadores dosaram camundongos livres de germes com microbiomas contendo a espécie, as células que revestem os intestinos dos roedores mostraram um aumento na atividade de genes que codificam proteínas que processam carboidratos, proteínas e ácidos graxos, que alimentam o crescimento. Esses camundongos também ganharam mais peso do que os camundongos que não receberam P. copri. Os pesquisadores acham que a bactéria quebra carboidratos mais complexos no suplemento em mais simples, e os entrega a outras bactérias benéficas e às células intestinais.

 

 

Mais trabalho precisa ser feito. Um estudo massivo lançado há 15 meses, visa descobrir se a abordagem de suporte ao microbioma, funciona em outros locais onde alimentos, microbiomas e práticas culturais, podem ser diferentes. O teste, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), planeja inscrever um total de 6.360 crianças em Bangladesh, Índia, Paquistão, Mali e Tanzânia, e provavelmente terminará até o final de 2025, diz Nigel Rollins, pediatra da OMS, que ajudou a projetar o estudo. O teste pode ajudar a determinar se os RUFs podem eventualmente ser substituídos por alimentos direcionados ao microbioma, diz Vanessa Ridaura, diretora sênior do programa na Fundação Bill & Melinda Gates, que há muito apoia a pesquisa de Ahmed e Gordon.

 

 

Parameswaran adverte que algumas comunidades, acostumadas aos RUFs, podem demorar para aceitar a suplementação direcionada ao microbioma. Os pesquisadores também devem descobrir como produzir e distribuir o novo suplemento em larga escala, e manter seu custo comparável ao dos RUFs, acrescenta Martin Bloem, especialista em saúde ambiental da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg e ex-consultor do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas. Rollins concorda. Embora esteja encorajado pelas evidências até o momento, ele alerta que “o júri ainda não se decidiu”.

 

 

Referente ao artigo publicado em Science

 

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