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Crônicas de Viagens – Maio de 68 em Paris

Foto: Gilles Caron – Exposição Hotel de Ville – Paris – maio a junho de 2018

O dia ficou borrado na memória, mas o mês e o ano nítidos para sempre. Era maio de 2012, primavera em Paris. Cedinho, desci os degraus velhos e desgastados do prédio da Rue de Lombards, 58, no 1er arrondissement. Ao abrir a pesada porta que dava acesso à rua, um frio gostoso invadiu a minh’alma.

Com uma sensação de leveza, liberdade e segurança dobrei a esquina e cai em uma das 13 bocas da estação Châtelet Les Halles, na Place Sainte Opoortune, da fantástica rede de metrô de Paris.

Em busca da linha 1, cruzei com dezenas de pessoas em um vai e vem sem parar.

Na bifurcação dos dois sentidos, La Défense e Château de Vincennes, uma jovem extraía das cordas de seu violino sons melodiosos. Ao entrar no vagão do metrô, observei que as pessoas liam jornais e livros, com sede de informação e saber. Pensei em Monteiro Lobato e em sua célebre frase: “Um País se faz com homens e livros”. Foi assim que a França se fez.

Desci na estação Franklin Roosevelt em busca da linha 9. Ao emergir em Trocadero, meu olhar se voltou para a Tour Eiffel. Quanta majestade ostenta a “Dama Rendada”! Em cinco minutos estava na Rue de Longchamp, para mais uma aula teórica de História da França (Une conférence d’histoire de France).

O curso de História da Arte, da France Langue, que frequentava em Paris, era complementado com aulas teóricas sobre História da França. O tema da aula do dia era “Maio de 68”. Sempre ouvi falar da revolução encabeçada pelos estudantes da Sorbonne, em maio de 68, em Paris, mas nunca imaginei a profundidade e a força da mesma.

Daniel Cohn-Bendit, estudante de sociologia da Universidade de Nanterre, nos arredores de Paris, iniciou o movimento quando liderou um protesto que exaltava o direito das pessoas à felicidade e criticava a sociedade consumista. Os grupos de esquerda: trotskistas, maoístas e anarquistas se uniram e, no dia 27 de março, cem estudantes ocuparam a Universidade de Nanterre. O movimento desaguou na Sorbonne e, no dia 3 de maio, a mesma foi ocupada pela polícia resultando em cem feridos e seiscentos presos.

 

Foto: Gilles Caron – Exposição Hotel de Ville – Paris – maio a junho de 2018

No dia seis de maio, houve confronto no Quartier Latin com um saldo de novecentos feridos e quatrocentos presos. No dia sete de maio, 30.000 estudantes marcharam sobre a Champs Elysées.

A noite de 10 de maio passou para a história como “A Noite das Barricadas”, pois 20 mil estudantes enfrentaram a polícia sob uma chuva de pedras, gás lacrimogênio, cocktel molotov, fumaça de carros incendiados etc. No dia 13 de maio, estudantes e trabalhadores se uniram e decretaram uma greve geral de 24h, em Paris, em protesto contra as políticas do General De Gaule.

No dia 20 de maio, Paris amanheceu sem metrô, ônibus e outros serviços. Cerca de seis milhões de grevistas ocuparam as 300 fábricas da França. No dia 30 de maio, o movimento tornou-se vultoso quando 2/3 dos trabalhadores franceses aderiram ao movimento e 1 milhão de franceses marcharam sobre a Champs Elysées.

A Universidade de Sorbonne, ocupada pelos estudantes, iniciou uma batalha cujas armas foram frases ousadas: “A imaginação ao poder”, “É proibido proibir”, “Abaixo a universidade” e “Abaixo a sociedade espetacular mercantil”. Os estudantes franceses se mobilizaram para mostrar ao mundo os novos tempos, a liberdade e a rebeldia.

A França dos anos de 1960, sob o comando do General Charles De Gaulle, era uma sociedade culturalmente conservadora e fechada. A juventude ansiava por mais liberdade, rejeitando a ordem estabelecida e a sociedade de consumo.

O “Maio de 68” mudou profundamente as relações entre raças, sexos e gerações na França, e, em seguida, no restante da Europa. No decorrer das décadas, as manifestações ajudaram o Ocidente a fundar ideias como as das liberdades civis democráticas, dos direitos das minorias, e da igualdade entre homens e mulheres, brancos e negros e heterossexuais e homossexuais.

Segundo o historiador francês Michel Winock, autor do livro “La fièvre hexagonale: les grandes crises politiques de 1871 à 1968”, houve na França, em “Maio de 68”, uma emancipação social. Winock diz que desde a Revolução Francesa (1789), há um culto à revolução. A França bate recordes mundiais de manifestações. Só em Paris há mais de mil por ano. Isso é uma herança da história. Para muitos filósofos e historiadores, o “Maio de 68” foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX, porque foi uma insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe.

 

dra. ana

 

 

Autora: Dra. Ana Margarida Arruda Rosemberg, médica CRM 1782-CE, historiadora, imortal da Academia Cearense de Medicina e conselheira do Jornal do Médico.

 

 

 

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