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Por que simplesmente não abrimos as janelas?

O mundo está finalmente chegando a um acordo, com a compreensão de que a transmissão do SARS-CoV-2 é pelo ar. Primeiro vieram os estudos de modelagem, avaliando as partículas transportadas pelo ar, suas trajetórias e a carga viral; e, em seguida, vieram exemplos do mundo real, preenchendo as lacunas nos modelos, e confirmando que o vírus pandêmico se espalha principalmente, por meio de pequenas partículas respiratórias aerossolizadas.

Tentar validar isso detectando vírus ao vivo, no entanto, é repleto de dificuldades técnicas. Daí as tentativas frenéticas de medir a quantidade de vírus infecciosos na respiração, bem como de revisitar o conhecimento das ciências da ventilação. Embora manter distância, usar máscara e ser vacinado tenham fornecido muita proteção, uma intervenção que teria um impacto significativo, é a ventilação interna adequada.

Cuidados de saúde, lares, escolas e locais de trabalho, deveriam ter sido encorajados a melhorar a ventilação logo no início da pandemia, mas o reconhecimento tardio da rota aerotransportada pelas principais autoridades em 2020, impediu qualquer progresso que poderia ter sido feito naquela fase, agravado por controvérsias sobre os termos “gota” e “aerossol”, uma vez que a definição dessas ditas diferentes estratégias de prevenção de infecção, incluía até o tipo de máscara mais adequada.

Inserir o termo “ventilação” em um documento de política pública para a Covid-19, pode apaziguar os leitores, mas garantir que as pessoas recebam ar fresco suficiente em ambientes internos, parece ter sido deixado de lado. Por que isso? Podemos estabelecer as razões para esta resposta, aparentemente letárgica, à melhoria da qualidade do ar interior?

Para responder, é fundamental compreender três princípios fundamentais de prevenção e controle de infecções. Em primeiro lugar, a maioria dos patógenos é invisível; em segundo lugar, você sabe que o sistema falhou apenas quando há um surto; e, por fim, nem sempre é possível identificar uma causa específica, dificultando a implementação da intervenção mais adequada. O controle de infecção depende de um conjunto de medidas que supostamente cobrem a maioria das rotas de transmissão, explicando a ênfase inicial equivocada nas gotas e no risco de superfície, em vez de aerossol irrestrito.

O bom senso dita muito sobre o que é feito para o controle de infecções, uma vez que a maioria dos órgãos de financiamento prioriza consistentemente os problemas sociais mais imediatos, urgentes ou comercialmente benéficos. Além disso, as diretrizes atuais tendem a se concentrar em corpos sólidos, como as pessoas; superfícies, duras e macias; equipamento; e água. O ar é literalmente nebuloso. Assim como a limpeza foi a Cinderela do controle de infecção durante a última década ou mais, e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina resolveu isso, devemos agora enfrentar o papel negligenciado, mas substantivo, do ar na transmissão de infecção. É justo dizer, que o ar pode ser o meio final, para definir e padronizar dentro do itinerário de controle de infecção.

Outro motivo importante para a redução da qualidade do ar é o custo. A maioria dos edifícios não é projetada nem bem operada do ponto de vista da qualidade do ar, com conservação de energia e conforto térmico no topo da lista de requisitos. O bombeamento em quantidades adequadas de ar fresco externo, qualquer que seja a engenharia, desafiará os custos de operação, bem como o status do carbono do ar. O ar externo geralmente difere do ar interno em termos de temperatura e umidade, e o uso do ar-condicionado externo precisa de energia significativa.

Embora a evolução das tecnologias verdes possa compensar alguns desses requisitos crescentes de energia, qualquer revisão ou atualização dos sistemas existentes, é um grande empreendimento e extremamente caro. Além disso, a ventilação é geralmente controlada por operadores e proprietários de edifícios, não necessariamente indivíduos, e os primeiros ainda não são obrigados por lei a melhorar a ventilação em locais públicos.

Os sistemas de ventilação e purificação de ar são barulhentos, possuem correntes de ar e requerem um ajuste fino e manutenção regular. Mesmo a simples abertura de uma janela convida a uma discussão sobre frio, fluxo de ar e segurança. Existem alguns padrões para a qualidade do ar interno, principalmente por meio de trocas de ar oferecidas, mas eles se referem principalmente a ambientes de saúde especializados, como salas de cirurgia. De fato, os padrões de ventilação existentes dificilmente consideram o risco de infecção pelo ar em espaços públicos não especializados.

Então, onde estamos agora com a qualidade do ar interno? Obviamente, uma ventilação melhor requer planejamento e investimento, mas quem vai garantir isso, e como isso deve ser feito? A atualização da qualidade do ar interno para bilhões de ambientes internos no mundo precisa de pesquisas sólidas, financiamento e padrões obrigatórios. Aqueles que temos são variáveis, ​​ou são aplicados de forma inconsistente. Estabelecemos estratégias de saúde pública para alimentos e água e até mesmo para a poluição, mas a qualidade do ar dentro da maioria dos locais públicos em nossas comunidades, se assemelha a nada mais do que incerteza miasmática.

Como acontece com todas as grandes mudanças no entendimento científico, lidar com o meio final requer coragem, investimento e apoio político para cientistas e formuladores de políticas. O mesmo se aplica aos negócios e à indústria, que já estão produzindo uma variedade de tecnologias e equipamentos de purificação do ar. Não podemos mais ignorar a transmissão aérea, por mais difícil ou caro que ela seja de controlar. É hora de aceitar o fato de que a maioria das pessoas adquire o SARS-CoV-2 ao respirar ar contaminado. Abrir a janela é um começo, mas não é uma panaceia para a Covid-19 ou, por falar nisso, para qualquer outro vírus transportado pelo ar no século 21.

 

Referente ao comentário publicado na British Medical Journal

 

 

 

Autor: 
Dr. Dylvardo Costa Lima
Pneumologista, CREMEC 3886 RQE 8927
E-mail: dylvardofilho@hotmail.com

 

 

 

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