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O próximo passo do Coronavírus

Sobre as quatro formas que a próxima variante pode assumir, o que também ditará a forma de nossa resposta

 

Se o coronavírus tem um objetivo singular, que é nos infectar repetidamente, ele só se torna cada vez melhor em realizá-lo, da Alpha passando pela Delta, até a Omicron. E está nem longe de ser a pior. “A Omicron não é a pior coisa que poderíamos imaginar”, diz Jemma Geoghegan, virologista evolutiva da Universidade de Otago, na Nova Zelândia. Em algum lugar lá fora, uma nova variante Rho, uma Tau ou até uma Omega, talvez já esteja em andamento.

Nem todas as variantes, no entanto, são construídas da mesma forma. A próxima a nos incomodar pode ser como a Delta, rápida e um pouco mais severa, mas ainda superável com as vacinas existentes. Poderia se espelhar na Omicron, iludindo a capacidade de evitar as defesas levantadas por infecções e vacinas em uma extensão, que ainda não vimos. Poderia mesclar os piores aspectos de ambas as antecessoras, ou encontrar sua própria combinação bem-sucedida de características. Cada iteração do vírus exigirá um conjunto ligeiramente diferente de estratégias para resolvê-lo, a abordagem ideal dependerá de “quão doente as pessoas estão ficando e quais pessoas estão ficando doentes”, disse a Dra. Angela Shen, especialista em políticas de vacinas do Hospital Infantil de Filadélfia.

Nossa resposta real não dependerá apenas da mistura de mutações que o vírus lança em nosso caminho. Também dependerá da seriedade com que levamos essas mudanças, e em que estado o vírus nos encontra quando nos atinge, imunologicamente, psicologicamente. Enquanto a próxima variante monopolizadora de holofotes ainda está se formando, podemos esboçar, em traços amplos e nada abrangentes, um subconjunto do elenco de 4 personagens que poderiam surgir, e o que seria necessário para afastar cada um deles.

1- A variante matadora

Vamos começar com o pior cenário, porque também é provavelmente o menos provável. Uma nova variante alcançaria cada uma das três grandes capacidades virais: de ser mais transmissível, de ser mais mortal e de ser muito mais evasiva das defesas do que as vacinas e as infecções pelo SARS-CoV-2 estabeleceram.

Nesta versão dos eventos, mesmo as pessoas imunizadas poderiam sofrer altas taxas de doença grave; reforços adicionais poderiam não montar um bloqueio suficiente. O abismo na proteção entre os vacinados e os não vacinados começaria a se fechar, talvez rapidamente, se a nova variante colidisse com as pessoas, quando muitas delas não estivessem em dia com suas vacinas e/ou suas imunidades já estivessem baixas.

Esse vírus poderia ter uma aparência tão estranha, que alguns de nossos atuais testes e muitos de nossos tratamentos baseados em anticorpos, poderiam parar de funcionar. A disseminação viral também superaria as ferramentas de diagnóstico que temos, obliterando os esforços de rastreamento de contatos, e tornando o patógeno mais difícil de isolar. Centenas de milhares de pessoas só nos Estados Unidos podem perder a vida em questão de meses, como observou uma análise recente. Inúmeros outros seriam hospitalizados ou sobrecarregados com os sintomas debilitantes da Longa COVID. Esse futuro pareceria mais com o passado, uma quase volta ao “primeiro ano da pandemia”, me disse Crystal Watson, associada sênior do Johns Hopkins Center for Health Security. E, consequentemente, esse futuro lançaria a resposta mais dramática.

Primeiro, teríamos que começar a preparar uma nova vacina, adaptada às peculiaridades de uma variante de atirador de elite. Só isso levaria pelo menos três meses, pelas melhores estimativas atuais dos fabricantes de vacinas, sem contar o árduo processo de lançar a vacina atualizada de forma rápida e equitativa. Nesse ínterim, se quiséssemos evitar os piores impactos, teríamos que nos apoiar fortemente em nossos velhos e conhecidos recursos: uso de máscaras de alta qualidade, potencialmente obrigatórias; restrição de viagens; limites de capacidade em restaurantes, bares e academias, possivelmente até com breves fechamentos. Espera-se que, a essa altura, uma boa ventilação e filtragem de ar também já estejam mais difundidas.

O governo poderia precisar financiar esforços para desenvolver e distribuir novos testes e tratamentos. Se o surto não pudesse ser contido, espaços essenciais, como escolas, poderiamm considerar fechar suas portas novamente, embora Natalie Quillian, vice-coordenadora da equipe de resposta à COVID-19 da Casa Branca, tenha dito que, do ponto de vista da administração, realmente não se vê um cenário em que as escolas precisem fechar.”
Felizmente, uma variante tão ruim assim, seria difícil de encontrar. Os vírus não podem reorganizar seus genomas infinitamente, não se quiserem continuar infectando eficientemente seus hospedeiros preferidos. Vineet Menachery, virologista da Divisão Médica da Universidade do Texas, acha que o vírus provavelmente encontrará maneiras de evitar a imunidade em maior grau do que a Omicron. Mas, acrescentou, “a questão é: é preciso abrir mão de outra coisa para fazer isso?”

Mesmo que o vírus se refaça muitas vezes, podemos esperar que seu ataque ainda bata contra algumas defesas de várias camadas. Sair do alcance dos anticorpos não é tão difícil, mas “apenas estatisticamente falando, não acho que seja possível escapar da imunidade das células T”, diz John Wherry, imunologista da Universidade da Pensilvânia, colaborador de um relatório recente, que modelou vários cenários para o nosso futuro com a COVID-19. O truque, então, seria despertar a vontade pública suficiente para usar essas ferramentas de defesa, e duelar com o vírus novamente, até mesmo porque não é uma coisa certa que uma variante do tipo matadora vá aparecer em breve. “A aceitabilidade da política X, Y ou Z não será a mesma de antes”, disse a Shen.

2- A variante artista da fuga

Em uma previsão menos catastrófica, uma variante não representaria uma ameaça tripla épica. Mas ainda poderia atacar uma fração substancial da população, aumentando uma característica de cada vez. Isso poderia ser qualquer uma das três grandes, mas considere dois exemplos: um aumento na evasão imunológica ou um aumento na virulência. Tudo o mais igual, cada uma poderia desencadear ondas de doenças graves, e levaria o sistema de saúde de volta a um ponto de ruptura.

Segundo, a opção evasiva da variante. O SARS-CoV-2 agora enfrenta uma enorme pressão para encontrar uma escotilha de escape imunológica. Com tantas pessoas infectadas, vacinadas ou ambas, o sucesso do coronavírus começou a depender fortemente de sua capacidade de contornar nossos escudos. Esse futuro poderia ser uma versão ainda mais dramática da recente onda Omicron: nenhum de nós, não importa quantas vacinas tivéssemos, seria realmente imune a infecções, ou talvez até de doenças graves. Apenas através de números absolutos, essa variante estaria pronta para desembarcar uma enorme quantidade de pessoas no hospital, mesmo que não fosse, partícula por partícula, uma ameaça mais mortal.

Dependendo da extensão em que a variante corroesse a eficácia da vacina, especialmente contra hospitalização e morte, talvez ainda precisássemos atualizar nossas vacinas e lançar uma campanha massiva de revacinação. Do ponto de vista da Casa Branca, uma variante teria que “passar um limite bastante forte para querer fazer isso”, disse Quillian. “Seria um esforço bastante extenso para voltar e revacinar toda a população.”

3- A variante massa bruta

Terceiro, a variante mais agressiva. De certa forma, uma variante mais virulenta, que ainda seja suscetível às defesas induzidas pela vacina, poderia ser mais simples de lidar. Poderíamos esperar que as pessoas que estivessem em dia com suas vacinas fossem muito bem protegidas, pois estavam contra, digamos, a Delta. O foco seria proteger os mais vulneráveis: os não vacinados, os idosos, os imunocomprometidos, aqueles com exposições pesadas ou frequentes ao vírus, todos os quais provavelmente se beneficiariam de mais doses de vacina, e medidas adicionais focadas em mascaramento, distanciamento, testes e tratamentos. E talvez nossas respostas permanecessem isoladas nesses grupos. “Provavelmente levaria um tempo para impormos restrições à população em geral”, disse Watson, da Johns Hopkins.

Talvez isso não seja surpreendente. Se grande parte da sociedade permanecer envolta em segurança, muitas pessoas não verão sentido em reinvestir em vigilância. O sofrimento das pessoas, que já temos a cultura de ver como doentes ou próximas da morte, ou que estão concentradas em comunidades já marginalizadas, poderia ser fácil de ignorar. “Se são os idosos, os imunocomprometidos, infelizmente, acho que não os estamos vendo da mesma forma que veríamos se fosse toda a população”, disse Menachery, virologista da UTMB. Quais grupos acabariam por arcar com o peso do fardo do vírus, talvez ditassem a extensão de nossa resposta.

Talvez mais de nós fossem galvanizados para a camaradagem, se uma variante tirasse um curinga e aumentasse sua virulência em um grupo inesperado. Se jovens adultos ou crianças, por exemplo, de repente se tornassem o alvo principal, “temos que acreditar que a resposta seria diferente”, diz Tom Bollyky, diretor do programa de saúde global do Conselho de Relações Exteriores. Menachery acha que uma mudança repentina para crianças seria improvável, esse não é um modus operandi típico para coronavírus.

4- A variante velocista

Há um terceiro eixo no qual o vírus pode mudar, sua transmissibilidade. Alguma mutação, ou uma combinação delas, poderia tornar o vírus um pouco mais eficiente em se deslocar entre os corpos. Mas sem uma sobrecarga de virulência ou evasão imunológica extrema, “não tenho certeza de que haveria muita resposta, para ser honesto”, disse Watson.

Algumas pessoas podem se sentir motivadas a se inscrever para uma dose de reforço. Algumas localidades podem pressionar pelo mascaramento novamente. Ou não. E se um aumento na propagação, se juntar a uma queda na virulência, a reação do público poderia ser ainda mais silenciosa. As pessoas podem ficar doentes, mas com a imunidade do nosso lado, a proporção de casos que acabariam no hospital também diminuiria, uma estatística enganosamente reconfortante de se ver. “Tenho dificuldade em acreditar que alguém iria se importar, a menos que houvesse mais gravidade”, diz Adam Lauring, virologista da Universidade de Michigan. Talvez veríamos a hospitalização anual e a carga de morte dessa variante, no mesmo nível ou abaixo da gripe, um nível de sofrimento que os americanos já implicitamente, e talvez equivocadamente, decidiram que é tolerável.

Mas a transmissibilidade intensificada é um perigoso truque de salão. Ela ajuda os vírus a pegar populações inteiras desprevenidas. Mesmo uma variante, um tanto debilitada, pode semear o caos, se tiver a oportunidade de se espalhar o suficiente, para encontrar os vulneráveis ​​entre nós. E ainda estaríamos em apuros se uma variante veloz nos atingisse, em um momento em que deixamos nossa vigilância sobre a vacinação escapar, ou se os esforços para dosar a população mundial de forma equitativa, ainda estivessem atrasados.

Muito sofrimento poderia acontecer fora dos hospitais também. Infecções menos graves por SARS-CoV-2, ainda poderiam semear a Longa COVID. Horas ainda seriam perdidas para isolamentos e doenças. E embora a imunidade da população pudesse estar mais alta do que nunca no momento, a proteção não seria distribuída uniformemente: muitos americanos ainda não receberam nenhuma vacina, e muitos permaneceriam vulneráveis ​​​​por causa de sua idade ou condições de saúde.

Mesmo que, de alguma forma, o vírus se tornasse completamente e verdadeiramente benigno, a complacência total poderia ser perigosa. Um vírus que deixamos se espalhar livremente, é um vírus que de repente tem potencialmente mais hospedeiros para evoluir, disse Geoghegan, virologista da Universidade de Otago. Entre eles podem estar indivíduos imunocomprometidos, que podem abrigar o vírus por longo prazo. Ele poderia mexer em seu genoma até que, por acaso, surgisse a combinação perfeita de mutações, disse ela, e então voltaria a rugir para a população em geral. Menachery também se preocupa com a propensão do SARS-CoV-2 para hospedar e mudar de forma, em outras espécies animais. É isso que tem o potencial, ele disse, para nos dar o SARS-CoV-3, para desencadear a próxima pandemia de coronavírus.

Não podemos dizer quando a próxima ameaça aparecerá, ou quão formidável ela será. Mas temos algum controle sobre seu surgimento: quanto mais chances damos ao vírus de nos infectar, mais chances damos de mudar novamente.

Referente ao comentário publicado na The Atlantic.

 

Autor:
Dr. Dylvardo Costa Lima
Pneumologista, CREMEC 3886 RQE 8927
E-mail: dylvardofilho@hotmail.com 

 

 

 

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