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Os novos dados de eficácia da vacina contra a dengue são um alívio ou motivo de preocupação?

Apesar de décadas de tentativas, o mundo tem uma única vacina contra a dengue licenciada em vários países, mas as restrições e condições de seu uso, impediram sua adoção. Recentemente, dados de eficácia clínica foram revelados para duas vacinas candidatas adicionais contra a dengue, e os dados parecem encorajadores. Nessa perspectiva, discute-se a dengue, as complexidades do desenvolvimento da vacina contra a dengue, os contratempos no desenvolvimento inicial, e como os dados mais recentes do campo podem ser motivo de otimismo comedido. Por fim, fornece-se algumas perspectivas sobre a avaliação do desempenho da vacina contra a dengue, e como a busca pela vacina perfeita contra a dengue, pode impedir o avanço de vacinas suficientemente boas.

 

 

Introdução

A dengue é causada pela infecção por qualquer um dos quatro subtipos do vírus da dengue (DENV-1–4), e representa uma carga significativa de saúde pública global. A dengue não só causa morbidade e mortalidade nos infectados, mas também consome recursos escassos para prevenção de infecções, cuidados com os doentes e faltas ao trabalho e à escola. Os quatro subtipos são transmitidos em regiões tropicais e subtropicais por espécies de mosquitos Aedes, infectadas quando se alimentam de sangue de um hospedeiro suscetível. Centenas de milhões de pessoas são infectadas todos os anos, e cerca de 96 milhões de infecções são clinicamente aparentes.

 

A dengue clinicamente relevante é caracterizada por febre, dor de cabeça, dor óssea e muscular, desconforto ocular, fadiga e desenvolvimento de erupção cutânea. Queixas gastrointestinais e respiratórias também podem ser comuns, dependendo da idade do indivíduo infectado. A dengue grave (dengue hemorrágica) manifesta-se com extravasamento de plasma, depleção do volume intravascular e redução da perfusão dos órgãos (choque). A interrupção da coagulação também é possível, e pode resultar em hemorragia significativa, contribuindo para o choque.

 

Os indivíduos correm maior risco de dengue grave, quando experimentam duas infecções sequenciais por vírus da dengue com dois diferentes subtipos, separados no tempo por mais de 18 meses. Fatores de risco adicionais sob investigação incluem antecedentes genéticos, condições médicas pré-existentes (obesidade, doenças renais e cardiovasculares, diabetes) e sexo feminino. As contribuições das interações humano-vetor-vírus, e a potencial evolução e coevolução da imunidade humana, competência vetorial e mudanças no genótipo/linhagem do vírus, também estão sendo estudadas.

Os mecanismos imunopatogênicos exatos de infecções sequenciais heterotípicas pelos vírus da dengue, não são totalmente compreendidos, mas evidências consideráveis apontam para respostas imunes adaptativas humorais e celulares, ocorrendo em resposta à primeira infecção, facilitando o aumento da replicação de vírus da dengue durante a segunda infecção que, por sua vez, leva à secreção pró-inflamatória de citocinas. O número exato de mortes anuais por dengue não é conhecido, mas as estimativas variam entre 5.000 e 40.000, com muitas mortes ocorrendo em crianças.

O tratamento de suporte (antipiréticos, repleção criteriosa do volume intravascular), administrado por médicos com experiência no tratamento da dengue, é muito eficaz, com baixas taxas de letalidade. Infelizmente, existe variação no atendimento clínico, e a dengue tem alta morbidade e mortalidade em muitos países endêmicos. Atualmente, nenhum antiviral anti-dengue, profilático ou terapêutico, baseado em imunidade (anticorpos monoclonais) está aprovado para uso, mas esforços promissores estão em andamento.

A redução de infecções humanas por arbovírus por meio de estratégias de controle de mosquitos teve sucesso intermitente. A opinião amplamente difundida de que o controle do mosquito é um componente necessário de uma estratégia abrangente de controle da dengue, requer o estudo ampliado das abordagens disponíveis e novas. O recente desenvolvimento e implantação de métodos de controle de mosquitos, usando alterações genéticas ou microbianas nas populações de mosquitos, oferece o potencial para melhores resultados.

 

 

Vacinas

A vacinação há muito é reconhecida como a base necessária de uma abordagem multifacetada para reduzir a carga global da dengue, mas desenvolver uma vacina segura e eficaz contra a dengue, tem sido muito difícil. Por mais de 75 anos, cientistas e desenvolvedores de produtos, tentaram projetar e desenvolver candidatas seguras e eficazes a vacinas contra a dengue, mas os desafios têm sido substanciais e formidáveis. Embora inúmeras abordagens diferentes estejam sendo exploradas, apenas vacinas de vírus vivos atenuados, obtiveram licenciamento ou alcançaram desenvolvimento clínico avançado.

 

 

Desafios no desenvolvimento da vacina contra a dengue:

Existência de quatro subtipos de vírus da dengue (DENV 1 a 4), cada um capaz de causar infecção, doença e morte
Nenhum correlato imune validado de proteção
Modelos animais não recapitulam de forma abrangente, a experiência da infecção/doença humana por dengue
Os ensaios imunológicos são incapazes de definir com precisão as respostas imunes específicas (homotípicas).
Exigência de estudos de eficácia grandes para demonstrar o benefício em diversas populações e desfechos clínicos

 

 

Dengvaxia®️

A Sanofi Pasteur, licenciou a primeira vacina contra a dengue (Dengvaxia®️), no México em 2015 e, posteriormente, em mais de 20 países, com base na segurança e eficácia demonstradas em dois ensaios de fase III, e uma única temporada de vigilância da doença. Infelizmente, o otimismo de que uma vacina contra a dengue finalmente estava disponível, rapidamente se tornou uma decepção, quando um sinal de segurança foi observado em receptores da vacina que não eram imunes à dengue, no momento da administração da vacina. No terceiro ano do ensaio clínico de fase III, os receptores de vacina mais jovens e não imunes, experimentaram taxas aumentadas de dengue grave e hospitalizada em comparação com seus pares não vacinados.

Muitas hipóteses foram oferecidas para explicar essa ocorrência, incluindo a ideia de que a imunidade homotípica e heterotípica desequilibrada, entre os quatro tipos de vírus da dengue, induziu os receptores de vacina virgens de dengue (sorostatus negativo) para intensificação dependente de anticorpos (ADE), quando eles encontraram sua primeira infecção natural.

Outros postularam que a ausência de proteínas não estruturais dos vírus da dengue, na construção da vacina, impediu a formação de imunidade celular protetora e/ou anticorpos anti-NS148. Idade mais jovem também foi proposta como um fator de risco independente para dengue clinicamente aparente e mais grave. Infelizmente, o desenho do estudo dos ensaios de fase III e a amostragem limitada de sangue na linha de base não permitiram uma análise estratificada da segurança e eficácia da vacina por status sorológico de dengue na linha de base. Em vez disso, a Sanofi testou voluntários um mês após a última dose de vacina usando um ensaio de anticorpo anti-NS1. A ideia era que os receptores da vacina com sorologia negativa para dengue estariam sem anticorpos NS1 porque a vacina não contém proteínas NS1, em contraste com os receptores com sorologia positiva que teriam sido naturalmente infectados e expostos à NS1.

O sinal de segurança no terceiro ano, tornou-se menos pronunciado com o tempo, mas o estrago já estava feito. A Sanofi já havia decidido buscar uma indicação apenas para crianças mais velhas (9 anos ou mais), e os reguladores obrigaram a empresa a modificar o rótulo da vacina, afirmando que apenas indivíduos previamente infectados por um vírus da dengue, deveriam ser vacinados. Houve um protesto nas Filipinas quando centenas de milhares de crianças foram vacinadas entre o momento da licença e o reconhecimento do sinal de segurança. Posteriormente, o país revogou a licença da vacina.

O Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE), da Organização Mundial da Saúde, modificou seu endosso original da Dengvaxia®️, recomendando seu uso apenas em indivíduos imunes à dengue. Embora a Dengvaxia tenha se mostrado segura e eficaz em receptores imunes à dengue, especialmente contra formas mais graves da doença, e permaneça licenciada em muitos países, incluindo os EUA, a implementação e aceitação da vacinação tem sido baixa. Há pouca informação sobre os resultados, bons ou ruins, de mais de 800.000 crianças, que foram vacinadas com Dengvaxia®️, incluindo centenas de milhares que receberam apenas uma única dose, quando o programa de vacinação foi encerrado.

 

 

A próxima geração de vacinas contra a dengue

Como esperado, cada candidata a vacina contra a dengue após a Dengvaxia®️, está sendo rigorosamente revisada quanto à segurança e eficácia em imunes e não imunes à dengue, em uma ampla faixa etária de receptores, e por sua capacidade de proteger contra todo o espectro de resultados de doenças, causadas por infecção com qualquer tipo de vírus da dengue. Há também um requisito para demonstrar segurança e eficácia em mais de uma temporada de dengue.

Duas novas vacinas vivas atenuadas contra a dengue já concluíram os ensaios de eficácia de fase III, e há espaço para um otimismo cauteloso mais uma vez. A Takeda recebeu recentemente a aprovação dos reguladores da Indonésia, da Comissão Europeia e do Brasil, para o uso de sua vacina de duas doses, (Qdenga) em pessoas com 4 anos de idade ou mais, independentemente do estado imunológico inicial contra a dengue. A aprovação foi baseada em dados de segurança, imunogenicidade e eficácia de 19 estudos de fase I, II e III, com mais de 28.000 participantes, em uma ampla faixa etária. A vigilância da dengue no ensaio de fase III estendeu-se por 4,5 anos.

O desfecho primário do estudo para o ensaio de fase III, foi a eficácia contra qualquer dengue, de qualquer gravidade, causada por qualquer subtipo de vírus da dengue, em receptores de dengue imunes ou não imunes. Dentro de 12 meses após a segunda dose, a eficácia da vacina foi de 80,2%. No ponto de tempo de 18 meses, a eficácia da vacina contra toda a dengue em receptores imunes à dengue foi de 76,1% e 66,2%, em receptores não imunes à dengue. A eficácia contra a dengue hospitalizada foi de 90,4% e 85,9%, contra a febre hemorrágica da dengue (FHD).

A eficácia específica do subtipo viral foi de 69,8% para a DENV-1, 95,1% para a DENV-2 e de 48,9% para a DENV-3, com intervalos de confiança variáveis. Aos 54 meses, a eficácia geral da vacina diminuiu para 61,2%, com eficácia de 64,2% em receptores imunes à dengue, e 53,5% em não imunes à dengue. A eficácia contra a dengue hospitalizada foi de 84,1%. A eficácia específica do subtipo do vírus da dengue em não imunes à dengue foi de 78,4% para DENV-1, 100% para DENV-2, não houve eficácia para DENV-3, e não houve casos de DENV-4 suficientes para calcular um valor. A eficácia do DENV-3 em imunes à dengue foi de 74%.

A eficácia contra Febre Hemorrágica da Dengue causada por qualquer subtipo viral foi de 70,0% e contra dengue grave foi de 70,2%. Esses dados não foram apresentados na literatura científica revisada por pares, mas podem ser acessados no Resumo das características do produto do patrocinador.

O grupo de trabalho da dengue do Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), recentemente em 23 de fevereiro de 2023, revisou o desempenho da Qdenga indicando:

(1) a vacina protegeu os receptores soropositivos contra todos os tipos de dengue, e dengue hospitalizada, causada por infecção por qualquer sorotipo;
(2) a vacina protegeu receptores soronegativos contra dengue total e hospitalizada, devido à infecção por subtipos 1 e -2;
(3) a vacina não protegeu os receptores soronegativos contra todos os tipos de dengue, e dengue hospitalizada pelo subtipo 3;
(4) o desempenho da vacina contra os resultados da infecção pelo subtipo 4 em crianças soronegativas, não pôde ser determinado de forma conclusiva, devido ao baixo número de eventos. A falta de um correlato imune definido de proteção tornou obscura a significância dos dados de imunogenicidade apresentados.

 

Mais recentemente, o Instituto Butantan do Brasil, o Instituto Nacional de Saúde americano (NIH), e a Merck (MSD), relataram os primeiros resultados de um estudo de fase III no Brasil, com mais de 16.000 participantes, e pelo menos dois anos de vigilância da doença. A vacina (Butantan-DV) foi feita com materiais licenciados do NIH dos EUA, e é análoga à formulação da vacina TV003 do NIH, testada anteriormente. A MSD juntou-se à colaboração, quando firmou um acordo de co-desenvolvimento e licenciamento em 2018. O estudo de fase III foi iniciado em 2016, e incluiu participantes com idades entre 2 e 59 anos, que receberam uma dose única da vacina, e foram acompanhados para qualquer dengue, de qualquer gravidade, causada por qualquer subtipo de vírus da dengue. Participantes imunes e não imunes à dengue foram incluídos no estudo.

A eficácia geral foi de 79,6%, com os imunes à dengue apresentando maior eficácia (89,2%), em comparação com os não imunes à dengue (75,3%). Os dados de eficácia estão disponíveis apenas para o subtipo 1 (89,5%) e subtipo 2 (69,6%), devido à baixa circulação dos tipos subtipo 3 e subtipo 4 durante o estudo.

 

Dados específicos do tipo de vírus da dengue, por status imunológico da dengue, revelam maior eficácia contra o subtipo 1 em imunes à dengue (96,8%), em comparação com não imunes (85,5%), e achados semelhantes para o subtipo 2 (imune 83,6%, não imune 57,9%). Não foram relatados casos graves ou casos com sinais clínicos de alerta. O ensaio continuará até 2024, deixando em aberto a possibilidade de haver casos suficientes causados por subtipos 3 e 4, para obter uma visão mais clara do desempenho da vacina contra esses tipos. Esses dados não foram publicados na literatura científica revisada por pares, mas podem ser acessados no site do Butantan

 

Em resumo, as três vacinas vivas atenuadas contra a dengue que geraram dados de eficácia de desfecho clínico demonstraram:

(1) maior eficácia em receptores imunes à dengue;
(2) maior eficácia contra fenótipos clínicos mais graves;
(3) variação na eficácia específica dependendo do tipo do vírus da dengue
(4) dificuldade de capturar dados para todos os desfechos clínicos desejados (ou seja, qualquer dengue, dengue grave, dengue hospitalizada), em todos os subtipos de 1 a 4, tanto em dengue imune quanto em não -receptores imunes.

 

 

Avaliação do desempenho da vacina contra a dengue

Com a disponibilização de novos dados sobre a eficácia da vacina contra a dengue, reguladores, autoridades de saúde pública e cientistas, estão tentando descobrir como avaliar o risco e o benefício de vacinas imperfeitas contra a dengue.

 

 

Segurança

O perfil de reatogenicidade local e sistêmica de uma vacina contra a dengue, deve ser aceitável e compatível com outras vacinas licenciadas. Além disso, as taxas de dengue e dengue grave, não podem ser maiores nos receptores da vacina, em comparação com os não vacinados. A falta de benefício contra um resultado clínico específico pode ser aceitável, quando considerada no contexto mais amplo de todos os benefícios, mas as associações entre a vacinação e o desenvolvimento da doença que a vacina pretende prevenir, não são.

 

Como avaliar o potencial da dengue associada à vacina não é simples. Após dois anos de vigilância no estudo do Butantan, não houve casos graves de dengue, nem casos com sinais clínicos de alerta. A experiência da Takeda, no entanto, é mais complexa e, embora os comitês de revisão clínica e regulatória da Comissão Europeia e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não acreditem que haja um sinal de segurança em receptores não imunes de dengue, e esse é um ponto de contenção.

 

Duas questões podem impedir a obtenção de um consenso sobre os dados da Takeda:

(1) baixo número de casos graves e específicos do tipo de vírus da dengue, reduzindo o poder estatístico para tirar conclusões generalizáveis;
(2) usar o dado de hospitalização, como um substituto para a doença grave.

 

Alguém poderia pensar que, hospitalizar um indivíduo é um reflexo preciso da gravidade da doença, mas as diferenças na prática de hospitalização entre os países colocam isso em questão. Como prática de rotina, os patrocinadores do estudo seguem os padrões locais de assistência médica. Isso faz sentido, mas apresenta oportunidades para variação de site para site, e introduz possíveis fatores de confusão na análise de dados. Por exemplo, alguns locais podem admitir todos os pacientes com base apenas no diagnóstico, enquanto outros apenas admitem pacientes com base na necessidade clínica.

Marcadores de doença grave, como sinais ou sintomas clínicos, ou evidência laboratorial de vazamento de plasma e/ou hemorragia, também parecem ser um método claro para classificar a gravidade da doença, mas essa abordagem tem o potencial de confundir devido à variação nos recursos diagnósticos entre os ensaios sites.

Por exemplo, alguns locais podem ter acesso e usar rotineiramente ultrassom para detectar coleções de fluidos, como ascite ou derrames pleurais, indicando a ocorrência de vazamento de plasma. Outros locais podem não ter esses recursos e devem contar com métodos menos sensíveis, como palpação abdominal ou ausculta pulmonar. Para aumentar a complexidade dessa questão, os métodos de documentação que dão suporte aos ensaios clínicos, podem não ser sutis o suficiente para distinguir entre a mera ocorrência de um achado e a relevância clínica de um achado.

Mesmo quando é tomada a decisão de utilizar sistemas de classificação publicados de doenças graves, há potencial para variação. Por exemplo, os desenvolvedores de vacinas, podem optar por utilizar os critérios de gravidade contidos nas diretrizes da OMS de 1997, ou escolher o documento revisado de 2009. A preocupação de que essas diretrizes foram projetadas para apoiar o atendimento clínico, e não eram adequadas para uso em ambientes de pesquisa, levou o NIH dos EUA a liderar um esforço para desenvolver diretrizes para uso em ensaios intervencionistas. Os patrocinadores também podem contratar especialistas externos, para desenvolver critérios e diretrizes adicionais, como a Takeda fez com seu comitê de adjudicação de casos de dengue.

 

 

Expectativas baseadas em extrapolação

As diferenças na construção da vacina, podem se traduzir em diferenças qualitativas significativas nas respostas imunes, após a vacinação. Essas diferenças devem ser lembradas ao prever os resultados da vacinação com candidatos a vacinas mais recentes, usando a Dengvaxia®️ como referência.

No entanto, quando se trata de vacinas de dengue replicadas com vários componentes, o construto sozinho pode não ser suficiente para explicar a variação na imunogenicidade e eficácia. As vacinas Sanofi e Takeda parecem ter um único vírus vacinal dominante, que se replica após a administração (Sanofi subtipo 4, Takeda subtipo 2), apesar de ter todos os quatro subtipos de vírus da dengue incluídos na vacina. Em contraste, a formulação da vacina do NIH da MSD, induziu a replicação de três ou mais vírus vacinais em 64% dos receptores não imunes de flavivírus. Ainda não se sabe como isso se traduzirá em eficácia ao longo dos cinco anos de acompanhamento e eficácia específica dos subtipos do vírus da dengue.

 

 

Imunogenicidade não garante eficácia

Não está claro se a imunidade homotípica para cada tipo de vírus da dengue é necessária para proteção contra doenças causadas por infecção por qualquer subtipo. Infecções sequenciais, com dois subtipos diferentes de vírus da dengue, parecem conferir uma mistura de imunidade homo e heterotípica amplamente protetora, conforme evidenciado pela ocorrência muito rara de terceira e quarta infecções clinicamente relevantes, pelos vírus da dengue.

 

Os desenvolvedores de vacinas devem buscar o desenvolvimento de formulações de vacinas tetravalentes, contendo antígenos para cada subtipo do vírus da dengue, mas tem sido difícil, especialmente com vacinas replicantes, evitar algum elemento de imunodominância, e um desequilíbrio de imunidade homotípica para o tipo dominante desse subtipo de vírus, e imunidade de reação cruzada aos demais. Como resultado, uma importante lição aprendida, ao avaliar o desempenho da vacina contra a dengue, é que a imunogenicidade não se traduz necessariamente em eficácia clínica.

 

A Sanofi aprendeu esta lição depois de revelar os resultados do ensaio de eficácia de fase 2b da Tailândia. A expectativa era que a geração de anticorpos neutralizantes mensuráveis, para um subtipo específico de vírus da dengue, indicasse uma probabilidade razoável de ter proteção contra a doença, se infectado com o mesmo subtipo. Mas, apesar de ter títulos de anticorpos neutralizantes médios geométricos equilibrados superiores a 100 para todos os tipos de vírus da dengue, e altas taxas (> 95%) de soropositividade após três doses de vacina, o estudo não conseguiu atingir seu objetivo primário de eficácia. A incompatibilidade de imunogenicidade e eficácia por tipo de vírus da dengue, ocorreria novamente durante o teste subsequente de fase III da vacina Dengvaxia®️ e Takeda. Com base nos dados iniciais de eficácia do estudo do Butantan, a desconexão provavelmente persistirá com base na revisão dos dados históricos de imunogenicidade da vacina, e na recente divulgação de menor eficácia do subtipo 2.

 

 

Uma vacina boa e segura contra a dengue é melhor do que nenhuma vacina

Uma vacina perfeita contra a dengue, traria benefícios com segurança em uma miríade de cenários.
A vacina perfeita iria:

(1) proteger em uma faixa etária diversificada,
(2) prevenir a infecção (idealmente) e a doença causada por qualquer subtipo de vírus da dengue e possivelmente, numerosos genótipos dentro de cada subtipo,
(3) prevenir todos os fenótipos clinicamente relevantes da dengue, não apenas a doença grave,
(4) proteger os receptores, independentemente de seu estado de imunidade ao flavivírus no momento da vacinação,
(5) interromper a transmissão do vírus entre pessoas e mosquitos
(6) dar uma proteção duradoura, até que o receptor saisse da janela de risco, por ter adquirido um perfil de imunidade homo e heterotípica, como o que é observado após duas infecções naturais por vírus da dengue.

 

As lacunas compartilhadas no desempenho das vacinas atuais, incluem uma capacidade reduzida de proteger o receptor não imune de doenças clinicamente relevantes, mas mais leves, causadas por qualquer tipo vírus da dengue.

 

Uma vacina contra a dengue disponível apenas para receptores imunes à dengue pode ter seu valor clínico, mas carece dos atributos práticos necessários, para apoiar uma absorção significativa. Uma estratégia de ‘testar e vacinar’, embora viável, pode ser muito difícil de operacionalizar em uma variedade de áreas endêmicas de dengue. Uma boa vacina, não usada para vacinação, não oferece nenhum benefício.

 

Formas menos graves de dengue, contribuem substancialmente para não sobrecarregar de uma forma geral, e saúde pública. A prevenção de formas mais brandas de dengue não apenas reduziria a morbidade, mas também os custos econômicos e outros custos de oportunidade, como faltar à escola ou ao trabalho. No entanto, uma vacina que previna de forma confiável apenas a hospitalização ou formas mais graves de dengue, ainda tem o potencial de causar um grande impacto na saúde pública, especialmente durante surtos de alta transmissão (epidemias). Isso é particularmente verdadeiro em países de baixa e média renda, onde os recursos para os doentes graves são escassos, ou em locais onde falta experiência no tratamento de pacientes graves com dengue. Além disso, quando os leitos hospitalares não são ocupados por pacientes com dengue, esses recursos podem ser alocados para outras cargas de saúde pública, como doenças respiratórias ou gastrointestinais.

 

Uma vacina contra a dengue que é eficaz contra alguns, mas nem todos os subtipos de vírus da dengue, ainda pode agregar valor. Em muitas áreas endêmicas de dengue, numerosos tipos de vírus da dengue cocirculam e infectam populações. Uma vacina que não aumenta o risco de dengue do receptor, e pode reduzir o risco de doença causada por alguns dos subtipos de vírus da dengue, ainda proporcionaria um benefício líquido geral para a saúde pública. Isso é especialmente verdadeiro para os subtipos de vírus da dengue mais comumente associados à doença (subtipos 1 e 2) e desfechos clínicos mais graves (subtipo 2).

 

 

Conclusão

Está claro que a vacina perfeita contra a dengue não está no horizonte imediato, mas as experiências da Sanofi, Takeda e Butantan/NIH/Merck nos informam, que é possível imunizar efetivamente algumas pessoas contra cenários de doenças, que constituem a carga da dengue. Eu diria que quando se trata de desenvolvimento de contramedidas contra a dengue, a segurança não é negociável, mas todas as outras expectativas devem ser gerenciadas, e consideradas em conjunto. Nossos desafios com a comunicação eficaz das características de desempenho da vacina contra a doença de coronavírus 2019, devem ser um alerta a esse respeito. A busca pela vacina perfeita contra a dengue é uma meta louvável, mas não à custa de negligenciar opções imperfeitas, que poderiam oferecer com segurança benefícios tangíveis, embora em menor escala, para a saúde pública.

 

 

Referente ao artigo publicado Nature.

 

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