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A dengue está se espalhando na Europa: quão preocupados devemos estar?

A dengue normalmente afeta regiões tropicais, mas a doença está atualmente aumentando em partes do sul da Europa, espalhando-se entre as pessoas, e atingindo áreas onde não havia sido registrada anteriormente.

 

A doença transmitida por mosquitos, que pode causar febre, dores de cabeça e fadiga, e mata até 40.000 pessoas a cada ano, ainda não é endêmica da Europa continental. A maioria das incidências ou pequenos surtos, se originam de viajantes infectados no exterior, que trazem o vírus de volta. Mas este ano, uma combinação de condições climáticas quentes, e um aumento no número de casos importados, provocou um aumento nas infecções locais transmitidas por mosquitos tigre (Aedes albopictus), que habitam o sul da Europa.

 

“É uma situação que merece muita atenção”, diz Patricia Schlagenhauf, epidemiologista da Universidade de Zurique, na Suíça. A Nature perguntou aos pesquisadores como é preocupante o problema e se a ameaça poderia crescer no futuro.

 

Por que estamos vendo tantos casos de dengue na Europa este ano?

Vários fatores estão contribuindo para o aumento dos casos transmitidos localmente de dengue, dizem os pesquisadores. A retomada das viagens internacionais após a pandemia de COVID19, trouxe mais viajantes de volta das áreas endêmicas da dengue. Até 27 de outubro, a França relatou 1.414 casos importados de dengue; em 65% dos casos, os indivíduos haviam chegado da Martinica e Guadalupe. Por outro lado, apenas 217 casos importados foram relatados em 2022 e 164 em 2021.

 

A dengue está quebrando recordes nas Américas – o que está por trás do surto?

A presença de mosquitos A. albopictus, capazes de transmitir o vírus, significa que quando os viajantes infectados são picados, e depois que eles retornam aos seus países, esses insetos agora carregam o vírus em sua corrente sanguínea, e podem transmitir a doença para outras pessoas que picarem.

 

Estes mosquitos prosperam em temperaturas entre 15°C e 35°C, e podem se reproduzir em pequenas quantidades de água parada. “É o suficiente ter um recipiente sob suas plantas na sua varanda com água. Esse é um lugar ideal para os mosquitos adultos se reproduzirem”, diz Schlagenhauf.

 

“No momento, você tem todas essas condições no sul da Europa. Você tem um monte de viajantes voltando, você tem um mosquito local capaz de transmitir o vírus, e você também tem o clima e a temperatura certos”, acrescenta.

 

Quais são os piores surtos atualmente?

Até 25 de outubro, 105 casos transmitidos localmente foram relatados no sul da Europa, incluindo 66 na Itália, 36 na França e 3 na Espanha, de acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.

 

O surto local na Itália, que tem a maior população de A. albopictus da Europa, centrou-se nas regiões da Lombardia e Lazio, e incluiu 28 casos em Roma. Na França, o número de casos transmitidos localmente até agora é menor do que em 2022. Mas os surtos já se estenderam às regiões de Auvergne-Rhône-Alpes e Ilha de França, áreas que não haviam relatado nenhum caso transmitido localmente antes.

 

Como 50% a 90% dos indivíduos são assintomáticos, a incidência real de dengue pode ser maior do que o relatado. “Através de uma pesquisa porta-a-porta, identificamos vários casos autóctones que consultaram seu médico de família, mas seus médicos não prescreveram os testes biológicos certos para a dengue”, diz Frédéric Jourdain, epidemiologista da agência nacional francesa de saúde pública, que mora em Montpellier. “Ainda há necessidade de aumentar a conscientização entre os profissionais de saúde.”

 

A dengue pode se tornar endêmica na Europa?

Os casos de transmissão local na Europa tendem a ser esporádicos e sazonais, atingindo o pico no final do verão e no início do outono, e diminuindo durante os meses de inverno. “Eu não vejo isso mudando tão cedo no continente europeu, eu não vejo isso se movendo para um problema durante todo o ano”, diz Christina Frank, epidemiologista de doenças infecciosas do Instituto Robert Koch, em Berlim.

 

Para que a dengue se torne endêmica na Europa, o vírus teria que se estabelecer na população local de mosquitos. Isso significa que um mosquito fêmea infectado, tem que passar o vírus para seus ovos, de modo que quando esses eclodem, a prole já está infectada. “Do ponto de vista científico, não é impossível”, diz Jourdain. “Mas tal coisa é bastante rara” e geralmente ocorreria em áreas com surtos muito maiores e durante todo o ano.

 

“O que estamos observando na Europa é uma questão emergente. Mas é claramente diferente do fardo da dengue em áreas tropicais. Então, vai continuar sendo uma patologia importada, uma doença não endêmica”, diz Jourdain. “Se vamos ter um vírus da dengue que seja mais adaptado para Aedes albopictus? Para mim, ainda é uma questão de pesquisa.”

 

Qual é o papel das mudanças climáticas nisso?

O longo e quente verão da Europa este ano, criou as condições ideais para que os mosquitos A. albopictus prosperem e colonizem grandes áreas urbanas. Os mosquitos, que também podem transmitir vírus como chikungunya e zika, agora têm “um período mais longo de atividade, e podem acumular populações maiores se o verão for mais longo”, diz Frank. “E eles também podem viver um pouco mais ao norte do que de outra forma.”

 

“O intervalo de tempo entre os casos humanos pode ser reduzido, porque os processos no mosquito podem acelerar, e há mais tempo para um surto se acumular”, acrescenta.

 

A espécie é atualmente encontrada em 20 países europeus, e espera-se que se estabeleça no norte e oeste da Europa nas próximas décadas, incluindo na Bélgica, Holanda, partes da Alemanha e as regiões mais meridionais do Reino Unido. “É um mosquito extraordinariamente adaptativo” por causa de sua diversidade genética, diz Didier Fontenille, entomologista médico do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento de Montpellier. Mas leva vários anos para construir uma população de mosquitos adaptados, acrescenta.

 

Qual é a tendência global das infecções por dengue?

A dengue está em ascensão em todo o mundo, com mais de 4,2 milhões de casos relatados em 79 países, até 2 de outubro. As Américas estão experimentando uma das maiores incidências desde 1980. O Chade relatou seu primeiro surto em agosto, e Bangladesh, onde a dengue é endêmica, teve quase sete vezes mais casos este ano do que em 2018.

 

“O que isso desencadeia são populações essencialmente maiores que estão infectadas e maior risco de importação desses vírus em áreas bem conectadas”, diz Moritz Kraemer, epidemiologista da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Quanto mais vezes vemos as importações ocorrerem, mais possibilidades existem para a transmissão local”, acrescenta.

 

Os esforços globais atuais para combater os surtos de dengue, incluem a introdução de mosquitos infectados com Wolbachia, uma bactéria que impede o inseto de transmitir vírus. A abordagem produziu resultados promissores quando testada em mosquitos Aedes aegypti em Yogyakarta, Indonésia, e três cidades na Colômbia. Mas como o mosquito A. albopictus carrega naturalmente duas cepas de Wolbachia, a situação é mais desafiadora.

 

Referente ao artigo publicado em Nature.

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