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ARTIGO: Neuropatia Diabética

De todos os órgãos os nervos são os mais afetados pelo Diabetes Mellitus (DM) em todas as suas formas, principalmente tipo 1 e tipo 2 (DM 1 e DM2). Não por outra causa a Neuropatia Diabética (ND) figura como a complicação crônica mais presente na vida da pessoa com diabetes. Esta complicação se desenvolve ao longo de anos e tem apresentação bastante variada. Sua fisiopatologia envolve não apenas o dano aos nervos, mas também aspectos microvasculares, podendo alterar profundamente a funcionalidade de membros e órgãos internos.

O DM é uma doença extremamente prevalente no mundo inteiro. Na fase adulta, acima dos 20 anos de idade, são estimados 371 milhões de portadores em todo o mundo. O Brasil representa importante parcela, contando com cerca de 13,4 milhões de portadores (6,5% da população), o que o posiciona na 4ª posição no ranking mundial de prevalência. Some-se a isto o fato de o DM ser uma doença silenciosa em grande parte da sua história natural. Entre os pacientes computados, metade não apresentavam nenhum sintoma no momento do diagnóstico. Assim, com o atraso do diagnóstico, perde-se precioso tempo na prevenção do avanço de complicações crônicas, dentre elas a ND. Estima-se que pelo menos metade dos pacientes diabéticos sofram as consequências desta forma de neuropatia em algum momento de sua história clínica.

O Sistema Nervoso tem como uma das particularidades de seu funcionamento metabólico a captação direta da Glicose sem a intermediação da Insulina. As células nervosas expressam canais GLUT-1, que lhes dão franco acesso à fundamental fonte de energia sem requerer ativação daquele hormônio. O que inicialmente se configura como vantagem torna este tecido funcional um alvo preferencial em caso de sobrecarga glicêmica. Some-se a isto outros fatores como alterações degenerativas em nível histopatológico, vasculares e neurais, fenômenos de mediação nutricional e inflamatória, ainda agravados por fumo, álcool e diversas fármacos que aceleram o processo de injúria neural e ampliam a manifestação clínica e consequências da complicação.

Assim, clinicamente a ND pode se manifestar de forma diversa, sendo a forma mais comum a Polineuropatia Sensitivo-Motora Simétrica e Distal. Esta forma é caracterizada por dores, formigamentos, queimação em extremidades, mas também pode evoluir com dormência e perda de sensibilidade. As queixas são insidiosas, mas se intensificam com o passar do tempo, e, sobretudo, mediante mau controle glicêmico, podendo chegar a níveis incapacitantes. O comprometimento motor nesta forma de apresentação costuma ser tardio, porém igualmente incapacitante. Principalmente quando associado a problemas vasculares se desenvolve o pé diabético principal causa de amputação não traumática dos membros inferiores. Além da forma simétrica a ND pode se manifestar de forma assimétrica, focal ou multifocal, com ou sem compressão de nervos, ou até atingir o sistema nervoso autônomo. As formas focais ou multifocais têm clínica semelhante à forma simétrica, com intensidade de sintomas, entretanto, maior. Por vezes requerem além de tratamento medicamentoso e fisioterápico, intervenções cirúrgicas. A Neuropatia Diabética em sua forma autonômica, a mais subdiagnosticada, afeta o funcionamento de virtualmente todos os órgãos e sistemas. Sua apresentação clínica vai das manifestações gastrointestinais como diarreias, constipação, retardo do esvaziamento gástrico e plenitude, às manifestações cardiovasculares, como a hipotensão postural, passando por fenômenos genitourinários como bexiga neurogênica, incontinência urinária, disfunção erétil entre outras. Até manifestações respiratórias são registradas como crises de broncoespasmo. É necessário destacar que o Sistema Nervoso Autonômico cumpre um relevante papel na resposta clínica à hipoglicemia, o que pode estar severamente comprometido com o desenrolar desta forma da complicação. De qualquer maneira, são apresentações clínicas igualmente comprometedoras da qualidade de vida do diabético, com importante impacto econômico, seja relacionado ao absenteísmo ou aos custos terapêuticos.

Com um vasto leque em termos de diagnóstico diferencial, a ND impõe ao médico uma investigação clínica minuciosa quanto à história e exame clínicos. Os testes clínicos mais utilizados no entanto são relativamente simples, envolvendo técnica armada com monofilamentos, diapasão, chumaços de algodão, tubos de ensaio e martelo de borracha. Estes instrumentos, embora prosaicos, permitem testar a sensibilidade ao toque, estímulos táteis, dolorosos, térmicos, vibratórios e palestésicos (relativos à posição segmentar corporal). Em casos de mais difícil diferenciação entre a ND e a miríade de causas de neuropatia métodos mais sofisticados são necessários. Além dos diversos métodos de exames por imagem como Tomografia Computadorizada e Ressonância Nuclear Magnética, que nos auxiliam na avaliação mecânica e estrutural dos órgãos afetados, temos na Eletroneuromigrafia (ENMG), um precioso método funcional que provê a “leitura” da função de determinados nervos por meio de sua ação muscular. Por meio de estímulos elétricos precisos obtém-se um traçado referente à condução nervosa. Diferentes doenças se expressam por diferentes assinaturas. O médico especialista neste exame é capaz de dentre elas reconhecer as características da ND dentre as diversas alterações da neurocondução, ainda provendo dados da apresentação, simetria e prognóstico da complicação.

A base do tratamento está no controle rigoroso da glicemia e demais fatores de risco. Quando a apresentação da complicação é inicial e ainda não ocorreram danos estruturais nos nervos afetados, é possível o controle dos sintomas sem a necessidade de adição de fármacos além dos necessários ao controle glicêmico.

Em casos mais avançados, no entanto, o controle glicêmico é insuficiente para mitigar o sofrimento do paciente. Entra em cena então uma farmacopeia diversa e aplicada às diferentes nuances da fisiopatologia da complicação crônica. São utilizadas vitaminas do complexo B e seus derivados, como a Tiamina, Benfotiamina, Cianocobalamina, entre outras formulações. Também para o apoio estrutural e funcional do nervo são utilizados fármacos antioxidantes, como o ácido alfa-lipóico (Ácido Tióctico), como também os ácidos graxos de cadeia longa ômega-3. Para o tratamento mais específico da dor são utilizados neurorreguladores, podendo ser das classes dos Antidepressivos Tricíclicos (ADT), Anticonvulsivantes (AC), Analgésicos, Anti-Inflamatórios Não-Hormonais (AINH) e em casos mais refratários Opióides.

Os ADTs são drogas bastante eficazes mesmo em baixas doses, de baixo custo e conhecidas do dia a dia do médico. Em geral são disponíveis no serviço público, como a Amitriptilina e Nortriptilina. A principal limitação desta classe reside em seus potenciais efeitos adversos como: xerostomia, retenção urinária, sonolência e tontura. Portadores de Glaucoma, de cardiopatia, arritmia cardíaca ou demais distúrbios de condução atrioventricular devem utilizar estes fármacos com extremo controle. Já os antidepressivos duais, inibidores da recaptação de serotonina e adrenalina tem um melhor perfil de tolerabilidade. A Fluoxetina é também disponível no serviço público, embora seja menos potente que os ADTs. Já a Venlafaxina e Duloxetina agregam em potência analgésica, mas aumentam também o custo do tratamento.

Na classe dos AC, o serviço público dispõe da Carbamazepina e Gabapentina, ambos com eficácia terapêutica comprovada. Contudo, quando exigidas em maior dose podem apresentar tontura, náuseas ou sedação. Já a Pregabalina costuma oferecer maior potência, porém sendo mais cara.

O uso de analgésicos e AINHs junto com os neurorreguladores costuma ser de grande valia para o alívio dos sintomas, sobretudo no início do tratamento. Isto se deve ao fato de que tanto ADTs como ACs atuam por impregnação. Apesar destas drogas já promoverem melhora dos sintomas por volta do terceiro ou quarto dia de tratamento, sua ação plena leva de três a quatro semanas. Em adição, deve-se ter em mente que analgésicos levam rapidamente ao fenômeno de tolerância, enquanto os AINHs podem ter repercussão no aumento da pressão arterial, retenção de líquidos, diminuição da proteção gástrica e agravamento da função renal. Em casos de dor mais severa é possível adicionar opioides, como o Tramadol, Codeína associada a analgésicos ou AINHs, Oxicodona e em casos mais extremos Morfina. Contudo, o uso de opioides é uma opção de segunda linha em função de seus efeitos adversos gastrointestinais, comportamentais, sem falar no rápido desenvolvimento de dependência química.

Em alguns casos de Neuropatia Diabética se evidencia as síndromes compressivas de nervos. Além do exame clínico, a ENMG e exames de imagens como a RNM podem aquilatar este achado. Além das medidas para controle álgico e fisioterapia, podem ser necessárias uma ou mais cirurgias descompressivas para a reabilitação do paciente.

Entretanto, no que se refere ao pé diabético, são indispensáveis os cuidados clínicos simples. Estas medidas visam manter a integridade da pele, de sua perfusão, proteção da arquitetura do pé e tornozelo e mecânica, além da vigilância de processos infecciosos.

Em suma, a Neuropatia Diabética é a complicação crônica mais comum do Diabetes Mellitus e por vezes a mais negligenciada. Apesar de alguns de seus aspectos terapêuticos mais sofisticados, sua identificação clínica é na maioria das vezes simples dentro da realidade do médico generalista em quaisquer campos de atuação. A atenção do médico a esta clientela específica tem grande impacto no controle da dor, na melhora da qualidade de vida do paciente, reduzindo drasticamente sua incapacidade física e laboral e sobretudo na redução de amputações.

 

Sobre o autor:

Prof. Dr. Bernardo Brito é professor auxiliar dos cursos

de Medicina da UFCA e FMJ

 

 

 

 

 

 

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