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“Casa de meus pais” por Dra. Ana Margarida

No texto “A casa de meus pais”, a Dra. Ana Margarida relembra sua infância , os costumes e o zelo de seus pais .

 

A Casa de Meus Pais

Adentrando a casa de meus pais, em Baturité, o primeiro quarto à direita era o deles. Tinha uma cama grande, um guarda-roupa, uma cômoda e um bercinho, ocupado por um recém-nascido, quase sempre. Minha mãe e suas barrigas anuais. Parideira incansável… pariu quinze filhos! Não abortou nenhum. Os gritos sufocados, a parteira aparando a criança, enfim, o choro, o filho, fruto do amor, nos braços. O momento sublime, tantas vezes experimentado. O paraíso, na terra vivido. Minha mãe embalando o recém-nascido, o sono leve, as noites mal-dormidas, porém feliz amamentando e cuidando da cria. O resguardo, a quarentena, a vovó Adelina, as canjas de galinha, o batizado no 7º dia. Os filhos multiplicando-se a cada ano. Um no colo, outro na barriga e outros mais a lhe puxar a saia. O amor transbordando, incondicional. A criançada alegrando o lar, correndo sem parar. Lúcia, a primogênita; Maninha, a sapequinha (seus cachinhos castanhos, o papai guardou) e a Edna, de tão gordinha foi apelidada de bolotinha. Enfim, um menino, Raimundo Luiz, para alegria de meu pai. Depois, quatro meninas. Eu; Goretti, de cachinhos dourados, era o meu par; Clêide; de tão loirinha parecia uma bonequinha holandesa e a Fátima, uma portuguesa. Novamente, outro menino para alívio de meu pai, era o Miguel Antônio. Em seguida, Teca e Ângela fazendo um par de bonecas; João José e a Carminha, um casal loirinho. Para completar os quinze, Carlinhos, bem gordinho e Isabel, a caçulinha, mas isso foi bem depois, em Fortaleza, nos idos anos sessenta. Minha mãe cuidando dos filhos doentes: sarampo, catapora, caxumba e outras viroses da infância. Nenhum de pólio, pois todos ela vacinou. As febres elevadas, as toalhas molhadas, as noites em claro, os zelos, os desvelos, os caldos, as compressas de angu de farinha para as dores de barriga. Foram tantos os cuidados… Minha mãe pudica. Sempre vestida! Sua fé indômita, a comunhão diária, a missa dominical, o terço, a mantilha e o missal. No oratório, em casa, a imagem da Sagrada Família. No Natal, a magia da lapinha. O menino Jesus na manjedoura (presente de sua avó), Maria e José de cada lado, os carneirinhos e os reis Magos. Na Sexta-feira Santa, o  jejum e a abstinência de carne, os filhos à sua volta e ela a nos contar o sofrimento de Jesus na cruz. As lágrimas correndo em nossos olhos, com pena de tanto padecer de Cristo para nos salvar. O silêncio sepulcral de meio dia às 3h da tarde, entre a crucificação e o último suspiro. Finalmente, o sábado, a aleluia, a alegria, o Jesus ressuscitado! Minha mãe rezando, rezando tanto um rosário sem fim, ensinando-nos a rezar de joelhos e mãos postas:

“Boa noite menino Jesus, eu vos dou o meu coração e prometo ser boazinha. Anjo da Guarda guiai-me, Nossa Senhora de Fátima protegei-me, São Luiz de Gonzaga conservai minha inocência. À benção papai do céu, à benção mamãe do céu, faça feliz sua filhinha. Protegei o papai, a mamãe, meus irmãos, meus avós, meus tios, meu padrinho e minha madrinha. À benção papai! À benção mamãe”

Abençoados, embalados e velados por eles, íamos dormir o sono profundo sem preocupações e pesadelos. Cada um em sua rede, cinco em cada quarto. O urinol, o xixi solto, a bacia e o candeeiro para espantar as almas do outro mundo.

Minha mãe chorando dentro da rede. Chorando a morte do vovô Lulu, seu pai, as lágrimas inundando seu rosto e o papai a consolá-la. Mais uma vez, em outra rede, chorando tanto a morte precoce do irmão querido! Chorando o filho doente (água na pleura), na época doença mortal, mas ela não se abateu e foi pra Fortaleza em busca de curá-lo. E assim, com tantos desvelos e cuidados os quinze filhos vingaram.

 Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg

 

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